Sobre os prêmios

A alegria de ganhar um prêmio, às vezes, pode se transformar numa inusitada e desagradável surpresa
Ilustração: José Lucas Queiroz
19/12/2024

Eu não pensava em prêmios até ter cometido o primeiro livro. Confesso que depois de ter publicado, essa pulga literária se instalou atrás da minha orelha e sempre que há uma oportunidade me vejo indo atrás de algum reconhecimento por meio desses ganchos, os prêmios.

Para um autor estreante ou mesmo para um autor consolidado, já bastante publicado, um prêmio literário é uma forma de colocar na memória do leitor o seu livro, uma forma também de voltar à memória de um leitor que é bombardeado por informações o tempo todo e, portanto, já esqueceu do autor ou autora laureado. Também é curioso saber se o que você escreveu teve peso para um leitor crítico. Acho, sim, bem interessante circular humildemente nesses caminhos.

Nos últimos meses do ano, acontecem as decisões dos maiores prêmios literários do Brasil — o tradicional Jabuti com mais de sessenta anos de história e mais amplo, com várias categorias diferentes; o prêmio Oceanos, também tradicional, mas com menos categorias e não menos prestígio, voltado para a literatura produzida por todos os países lusófonos; o prêmio São Paulo de Literatura é decidido um pouco antes e é bem relevante também, e, claro, como quase tudo no Brasil, existem muitos outros de menor alcance, muitos deles sérios. O Brasil é um mundo.

Tentei o Jabuti e o Oceanos, não cheguei a nenhum deles, não consegui. E nem por isso penso que o meu livro seja menor, ele apenas não teve sucesso com esses leitores, os jurados. Acho que devemos ser gentis conosco, entender que os prêmios são um medidor, sim, mas que caso não seja contemplado não é o fim, é do jogo, do regulamento e assim seguimos, sem prêmio e sem documento.

Ser publicado já um prêmio e perceber os troféus pelo caminho são o nosso desafio. Falando nisso, nesses troféus que quase os perdemos por olhar pro alto, dia desses toca o telefone fixo, sempre ele, a fonte de surpresas num mundo cada vez mais do whatsapp, dos directs, lá está ele, com sua campainha clássica, me alertando que tem alguém à espera. Meu funcionário atende e, em dois segundos, me chama: “Perguntaram se o responsável pode atender”. Penso: “Essa gente não me conhece”. Uma voz feminina jovem pergunta o meu nome, eu digo de forma cansada, não sinto que terá bom desdobramento, mas tudo muda em uma frase. A moça disse que depois de uma enquete feita com a população da cidade de Santos e região, a minha livraria, a Realejo, ganhou um prêmio de marca mais lembrada em sua categoria. Meu ego foi acariciado e por um segundo vivi e me senti ali, reconhecido, não como autor, mas como também um autor do nosso negócio, acho que ser livreiro é algo autoral e, no segundo seguinte, já de volta ao mundo prático, sou chamado pela voz para a etapa seguinte do regulamento dos premiados. Ela prosseguia com sua voz automática, metálica, nas etapas seguintes os contemplados vão receber uma visita de uma representante, uma técnica da equipe do prêmio, nessa visita saberemos os detalhamentos, faixa etária dos entrevistados, regiões, profissões. Também receberei um certificado que poderá ser afixado na parede da livraria, estava longa a explanação e eu ali, envelhecendo, esperando uma brecha para respirarmos.

O funcionário me olhava e eu revirava os olhos já de saco cheio, até que chegou o desfecho do tal regulamento. Eu teria que pagar para receber o prêmio, eles até dividiriam em três parcelas, finalmente pude rir, mas ri por dentro, fiquei em silêncio respeitoso, aguardando a minha chance, e ela apareceu. Eu me indignei, mas de forma suave, disse à moça que para mim ganhar um prêmio é sinônimo de receber algo, seja em dinheiro, seja em forma de troféu, certificado, ah, vai lá, um abraço, tudo bem, agradeço. Mas pagar não está certo. A moça, sem alterar o tom de voz de telemarketing, defendeu que ela desconhece premiações que não envolvam pagamento. Nesse momento, mandei duas referências que valem mais para autores, mas era o que estava ali, na ponta da língua, perguntei se ela conhecia o Jabuti ou o Nobel. Ela balbuciou alguma coisa e num átimo de segundo bateu o telefone na cara do premiado livreiro.

Queria continuar a conversa, mas ela decidiu encerrar a cerimônia de premiação de forma abrupta.

Moça indelicada essa.

José Luiz Tahan

É livreiro, editor e idealizador do festival Tarrafa Literária. Autor da antologia de crônicas Um intrépido livreiro nos trópicos (Vento Leste).

Rascunho