Em Beagá com o Tostão

As muitas tentativas e o inusitado encontro com um craque nas ruas da capital mineira
Tostão, eterno ídolo do Cruzeiro
11/08/2023

Existem autores que gostam de se apresentar em público, outros são mais tímidos, outros ainda são avessos totalmente a qualquer plateia. Na busca por nomes para trazer a Santos já tive êxito com alguns bem difíceis. Um exemplo foi o genial Sérgio Augusto — um dos maiores jornalistas culturais desde os anos sessenta, mas bem avesso às apresentações. Uma vez, ele me disse: “Gosto da democracia do botequim, quando sento a uma mesa em público e vejo aquela Minalba na minha frente… já não gosto”. Fui às raias da inconveniência e arrastei o homem pra cidade, claro que cuidei para que estivesse na companhia de amigos e da esposa. Pra todos nós foi histórico, pro Sérgio Augusto foi um tanto difícil, claro que percebemos e agradecemos muito pelo esforço dispendido.

Tentei também trazer a Adélia Prado, o Suassuna, o Ubaldo, o Ferreira Gullar, todos no quase, alguns com boas conversas nas tentativas, mas sem sucesso, ficam os causos como este que vou contar.

O médico Eduardo Gonçalves de Andrade, nascido em 1947, tornou-se um dos grandes craques da nossa história, direto de Minas Gerais para o mundo, o ponta de lança (queria usar esse termo clássico), o Tostão. Estou marcando o homem para vir a Santos há pelo menos uma década e, de tanto tentar e não conseguir, acabou virando algo prazeroso, até divertido. Todos os anos ligo, já que ele nunca usou whatsapp, também enviei alguns e-mails e sempre ele, o Tostão, me atende ou me escreve de volta. Todas as vezes, saio da conversa com alguma esperança de que um dia ele vai aceitar. A minha dúvida é se essa esperança é um sentimento de autoengano, de teimosia ou se realmente ele quase está topando a vinda. Também não sei se é um jeito singelo dos mineiros, que são mais discretos, ouvintes atentos e sutis nas artes da prosa, no jogar conversa fora. Quando nos falamos, ele diz que gosta muito da cidade, tem saudades dos amigos, em especial do nosso amigo em comum, o José Macia, o Canhão da Vila, o Pepe. Eu estico o papo até onde posso, até aquele hiato, o silêncio que embaraça as duas pontas da linha telefônica, e daí o Tostão fala algo como, nós voltamos a nos falar, Zé Luiz, quem sabe mais pra frente?

Liguei novamente pro homem há poucos dias, dessa vez com uma surpresa, seria eu que estaria na sua cidade, uai. Eu fui a Belo Horizonte por ocasião do lançamento do meu livro, Um intrépido livreiro nos trópicos (Vento Leste), na linda Quixote Livraria, da Cláudia e do Alencar, um casal de livreiros que há duas décadas tocam essa beleza de ofício. Pois bem, o homem me atendeu e sempre fico levemente nervoso, pois sei que ele não é muito aberto a esses convites, mas não podia deixar de convidar, e convidei. Ele deu aquela resposta simpática, mas sem muita vibração e tudo bem, eu sei respeitar os limites. O evento aconteceu da melhor forma, mesa na calçada, conversa entre os livreiros, os três, causos e histórias contadas e um bom público, dada a minha enxuta rede de amigos em Minas, mas nem sinal do Tostão, na verdade até me esqueci dele, estava muito concentrado na apresentação, em atender os que lá estavam.

Então fomos almoçar, o evento havia começado às 11h e, tão logo assinei o último livro, saímos todos a pé em busca de um restaurante na Savassi, bairro bem simpático de Belô, tô assim, íntimo. Já chamo Belô de Belô. E a prosa seguia, todos felizes com o evento que contou com uma breve visita do Humberto Werneck, também da Laura Erber, autores que são amigos da Quixote e que tive a sorte de cumprimentar. A prosa seguia rumo ao almoço quando vejo bem na minha frente sentado numa esplanada, na cadeira mais perto da rua, ele, ora, quem? Ele, o doutor Eduardo, ele, o Tostão. Tive um pequeno sobressalto, titubeei, mas resolvi abordá-lo, estiquei a mão e falei mais ou menos assim, “Tostão, não pense que eu estou te seguindo, mas sou o Zé Luiz, de Santos, do festival Tarrafa”. Ele me cumprimentou surpreso, sua esposa e uma moça mais jovem, neta, filha? Foram discretamente simpáticas, a minha editora, a Mônica Schalka, da Vento Leste, foi quem sugeriu na minha lentidão do momento para que eu desse um exemplar do meu livro ao craque, claro que dei.

Saí meio aéreo desacreditando do encontro. Sentamos em outro local na mesma rua, e após a refeição, quase no café final, vejo vindo pela calçada Tostão e família, vindo em minha direção. Dessa vez, ele me abordou perguntando novamente sobre Santos, seus amigos boleiros, sobre amenidades. Ficamos assim, em pé, por alguns minutos, trocando ideias. Nos despedimos e não deixo de pensar que agora ele virá a Santos.

José Luiz Tahan

É livreiro, editor e idealizador do festival Tarrafa Literária. Autor da antologia de crônicas Um intrépido livreiro nos trópicos (Vento Leste).

Rascunho