A primeira e única vez com Washington Olivetto

Uma sessão de autógrafos se transforma numa linda e inesquecível jornada ao lado do "Pelé dos publicitários"
O publicitário Washington Olivetto morreu em 13 de outubro, aos 73 anos
27/10/2024

Quanto mais vivemos, mais nos despedimos de pessoas com quem tivemos encontros, experiências ou, como nesse texto, causos vividos.

Quando vejo a partida de mais um personagem brilhante, e neste caso, quando me lembro de algo vivido com este personagem, vem a necessidade de relembrar, de registrar, de dividir com o leitor, para guardar entre nós este dia. Neste caso, próximo ao final de 2002, em Santos. Para não esquecer nunca, aqui vai a história.

São raras as sensações ao longo dessa longa carreira de livreiro em que ver o autor convidado, chegar perto dele, cumprimentar e trocar algumas ideias me passam uma emoção de um leve choque, um espanto. Nesses casos, tento aos poucos me tornar mais natural, mas não é nada fácil.

Fechamos em 2002 a vinda do W. Olivetto para lançar o recém-publicado Corinthians é preto no branco, livro da coleção Camisa 13, na qual treze autores declaravam seu amor a seus times do coração. O livro W. contava com a coautoria do também grande jornalista Nirlando Beirão. Para o evento em Santos, W. foi acompanhado de gente da editora, claro, e, pra minha surpresa, também estava a poucos metros dele um armário de terno e gravata, um segurança. Para quem não se lembra, em 2001 W. foi sequestrado e mantido em cativeiro por mais de 50 dias, a proximidade do duro episódio fez com que houvesse esse tipo de medida de proteção.

Fizemos o evento na praça de alimentação de um tradicional shopping de Santos. Tínhamos um espaço de eventos no shopping enquanto não havia ainda aberto a Realejo Livros, que estava em obras para ser inaugurada em breve. Enquanto isso não acontecia, fazíamos eventos em outros lugares, foi divertido e intenso. Eu ciceroneava o convidado e o levamos para um canto mais reservado enquanto a festa de autógrafos não começava. O homem tinha dias agitados, seus clientes demandavam sua atenção e ele pediu licença para dar um telefonema, afastando-se dois passos. Eu fiz de conta que não reparava, mas não consegui, ficava de olho nos movimentos e trejeitos, eu e o armário que também me fazia companhia. W. ligava pro pessoal de uma de suas grandes contas, o Unibanco, e quando do lado de lá perguntam quem gostaria de falar, ele simplesmente, pausadamente diz… Washington Olivetto. Quando ouvi ele próprio repetir seu nome me bateu um entendimento, na entonação, na modulação da fala, era uma instituição ali. Hoje teria o rótulo do “Pelé dos publicitários”. Apesar de Corinthiano roxo, não penso que ele não gostaria desse rótulo. Mas ao ouvir o nome dito pelo dono do nome, tive esse devaneio que logo foi afastado porque o dia seria longo.

Nos dirigimos ao local do evento, sempre com a equipe próxima, e a fila de leitores começava a se formar e a se agigantar. W. atendeu a todos, ganhou pão de um padeiro, abraços de alunos de universidade, leitores que torciam por outros times além do alvinegro do Parque São Jorge. E claro que quanto mais leitores ele atendia, mais ele brincava, dizia, nossa, em Santos tem mais torcedores do Corinthians do que do Santos, sempre buscando contato visual, se divertindo enquanto trabalhava.

Quando a maratona de autógrafos e vendas do livro terminou, propus um botequim pra fecharmos a jornada, no que o convidado topou na hora. Levei W. ao lendário Último Gole, que ficava na lateral do shopping Parque Balneário. Levei muitos convidados para este boteco português que hoje sob nova direção se chama PUG, Penúltimo Gole, aprovei essa brincadeira com a tradição, botequim é coisa séria. Lá chegamos e os chopes desceram muito bem, a prosa fluiu e os pastéis fizeram boa companhia, acho que uns bolinhos de bacalhau passaram pela mesa também. Quem também passou pela mesa e não saiu de perto, estava de pé na entrada do bar. era o armário, que não descansou, não aceitou pastel, mas nem por isso deixou de ser cordial o tempo todo.

Ao final da prosa W., não permitiu que eu pagasse a conta, ele pagou retirando do bolso um maço de notas presas por um clipe dourado, levou uns pastéis pro armário e partiu para São Paulo numa discreta perua Blazer toda filmada e, penso, blindada. Nos despedimos e ficamos de nos falar mais vezes, o que não aconteceu, o nosso mundo em comum era uma pequena intersecção, compreensível termos poucas novas oportunidades.

Mas, mesmo sendo uma única vez, assim como na brilhante campanha da Valisere, cujo slogan da menina que usava pela primeira vez um sutiã, a primeira vez a gente não esquece.

Descanse, Washington Olivetto, e obrigado por essa jornada inesquecível.

José Luiz Tahan

É livreiro, editor e idealizador do festival Tarrafa Literária. Autor da antologia de crônicas Um intrépido livreiro nos trópicos (Vento Leste).

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