Querido Sandro,
Me desculpe se, depois desse tempo juntos, me revelo uma pessoa intempestiva. Sei que, lá atrás, nas primeiras páginas de O colibri, combinamos que seríamos discretos. Foi difícil, como você bem sabe, mas até aqui conseguimos manter nossa história longe dos holofotes, dos olhares curiosos, das redes sociais que nos apedrejariam sem piedade.
Ocorre que ontem à noite, ali pelas onze, recebi a foto tirada por nossa amiga em comum. Já deitada, abri o celular para acionar o despertador e dei de cara com você me olhando por trás das lentes dos óculos de aro preto que escolhemos juntos no nosso último encontro perto de Florença.
Sabendo só parte da missa e com a melhor das intenções, E. deve ter pedido a você uma foto para uma fã. Agora a fotografia está aí, circulando para quem quiser ver e, me desculpe de novo, Sandro, a ternura com que você olha para mim é claramente uma declaração. “Senhor Veronesi, podemos fazer uma foto para C.? Ela é muito sua fã”, nossa amiga deve ter dito. Você sorri discreto e olha para mim através das lentes da câmera do celular de E., e o seu olhar conta tudo, não deixa dúvida — se é que ainda havia alguma — sobre o sentimento mágico que existe entre nós. Tanto que E., ao me enviar a foto, escreve: “Amiga, aqui entre nós, esses italianos são mesmo terríveis. Veja como ele seduz a câmera.” E eu cá comigo acho graça, sabendo que não é a câmera, ou não apenas ela, que você seduz sem qualquer esforço.
Te escrevo essa mensagem atormentada. Não só pela situação-limite em que nos encontramos, mas porque sei que você analisará cada palavra, vírgula, frase e ideia nas entrelinhas. Escrevo porque estou certa de que chegou a hora. Não dá mais para vivermos assim, nos escondendo.
Não sei se já te contei — nas nossas conversas, normalmente sou eu quem te ouve contar histórias —, mas, ao longo da vida, me apaixonei poucas vezes por pessoas reais como você. Já por personagens, me apaixonei séria e fatalmente muitas vezes. Para te dar uma ideia da gravidade dessa minha condição, isso se tornou um problema quando vivi, durante anos, um luto profundo por conta da morte de um personagem de uma série. Nunca me conformei com aquela morte besta.
Digo isso, Sandro, porque sei que nossa história é diferente e tem os pés fincados na realidade. Ela coincide com as primeiras páginas de O colibri, passa por todas as de Setembro negro e sela o encontro definitivo entre um autor e uma leitora.
Confesso que, na parte final de Setembro negro, me preocupei um pouco no trecho em que Gigio Bellandi se dirige ao pai em pensamento, implorando a ele que não faça determinada revelação à Betty, sua mãe. É tão bonito aquilo, meu Deus. Li e reli algumas vezes. Mas não pude deixar de pensar se haveria alguma referência, ainda que longínqua, à nossa situação. Ao que destruiremos ao revelarmos ao mundo, a nossos companheiros e filhos, que, há já algum tempo, vivemos essa paixão incontornável.
Não me ache uma louca, que de louca não tenho nada. As conversas aqui em casa têm sido tranquilas, as coisas já se encaminhavam para esse desfecho. Os filhos foram maduros, aceitaram que não há o que possam fazer diante da magnitude desse furacão que nos carregou com ele para um lugar só nosso. Desse modo, do meu lado está tudo sob controle e podemos nos encontrar logo depois de Paraty, como havíamos planejado. Foi bom eu não estar por lá com você, já que o mero olhar de um para o outro poderia antecipar o cataclismo que até agora conseguimos evitar.
Talvez baste publicarmos a foto enviada por E. com um pequeno texto de caráter informativo. Seu olhar para mim é autoexplicativo, amore mio.
E pensar que um dia passou pela minha cabeça que, mais uma vez, estava sendo acometida por uma paixão platônica por um autor genial que escreve como eu gostaria de poder escrever um dia.