Sábado passado encontrei meu avô na livraria. Mais precisamente na Travessa do Shopping Leblon. Tinha ido comprar um presente de aniversário e estava em busca do livro Elena Ferrante, uma longa experiência de ausência, de Fabiane Secches. Fui me embrenhando por aqueles corredores de estantes pretas e lombadas coloridas e dei de cara com ele — de pé, braços cruzados à frente do corpo, numa das mãos a boina de tweed. Ao lado dele, seus livros preenchendo uma vasta prateleira identificada por uma plaquinha com o seu nome.
Que felicidade eu senti, meu Deus. Encontrar meu avô. Tive o impulso de abraçá-lo apertado, apoiar a cabeça sobre a textura do pulôver, reconhecer o perfume do creme de barbear, dar uma choradinha discreta — sem que ele percebesse. Não fiz isso. Agir com naturalidade prolongaria o encanto. Sorri apenas. Ele sorriu de volta.
E agora? Havia tanto por dizer, tanta coisa para contar.
“Eu não fui à sua cremação, vô. Não consegui. Me arrependo tanto.” “Esqueça isso, Clarisse.” “Não consigo. Não sei se você soube, mas, na tarde daquela última terça-feira, fui chamada para uma conversa com o dr. Marcelo. E, ao ouvi-lo, numa pequena sala próxima ao seu quarto, tentei, de todas as formas, fazer com que ele nos dissesse que você não ia morrer, convencê-lo de que havia uma saída. Até que minha tia colocou a mão sobre o meu braço e disse: ‘Não tem jeito.’” Meu avô revirou os olhos como quem diz “Graças a Deus” e deixou escapar: “Eu não aguentava mais”.
Aflita, continuei.
“Depois de nos despedirmos no hospital, no fim daquela mesma tarde, voltei a São Paulo na sexta-feira seguinte. Cheguei cedo ao velório e só saí de noite, mas não quis te ver morto. Por isso não me aproximei. Me perdoa. E no dia da cremação eu realmente não consegui. Fui arrastada pela lembrança da morte da vovó. A Bachiana nº 5, escolhida pelas filhas, tocando altíssimo, o choro que me fez soluçar como eu nem sabia que era possível. Eu fugi, vô. Da Bachiana, do crematório, do chão que abre em labaredas no centro daquela arena e engole as pessoas para transformá-las em cinzas. Me desculpe!”
Ele desfez o sorriso. “Clarisse, isso não tem a menor importância. Eu entendo. Fique tranquila.” Dei uma engasgada e intuí que não tínhamos muito tempo. Estanquei o choro, respirei fundo, tomando coragem. “Vô, queria te mostrar meu livro. Ele está aqui, perto dos seus.” “Então os meus estão em ótima companhia”, ele disse, abrindo o sorriso de raposa. Quis dar meu livro para ele, fazer uma dedicatória, mas temi quebrar o encanto. “É um livro de crônicas, meu primeiro livro.” “Depois da chuva”, ele completou, piscando para mim.
Me afastei dois ou três passos, deslocando o olhar para a prateleira ao lado, fascinada com a ideia de que ele pudesse ler meu livro. Quando me virei, ele tinha desaparecido.
Sem ação, fiquei olhando para o vazio deixado por ele, com o exemplar nas mãos. Na terceira página, a dedicatória impressa: “À memória do meu avô”.