O clube do Bolinha

Em 2025, os clubes do Bolinha seguem firmes — do Supremo à literatura — lembrando que a igualdade de gênero ainda é promessa adiada
Ilustração: Bianca Rivetti Burattini
31/10/2025

Para quem não lembra, o Clube do Bolinha, exclusivamente para meninos, aparece nas histórias em quadrinhos da Luluzinha. Os membros atendem pelos nomes de Bolinha, Carequinha, Alvinho, Zeca e Juca. O lema do clube? “Menina não entra.”

Luluzinha é a personagem que dá nome à história em quadrinhos criada pela cartunista Marjorie Henderson Buell, em 1935, que circulou no Brasil até 1996. Junto com a Turma da Mônica, Luluzinha fez parte da minha infância, mas hoje é o clube do Bolinha que me interessa. Quero falar dos clubes do Bolinha que proliferam e se mantêm, em pleno 2025.

O Supremo Tribunal Federal é um deles. Dos onze ministros, dez são homens. Durante cento e trinta e quatro anos de existência, o STF teve apenas três ministras mulheres. A primeira, Ellen Gracie, foi nomeada no ano 2000 e se aposentou em 2011. Cármen Lúcia, a única indicada por Lula, entrou em 2006 e permanece na Corte. Rosa Weber foi nomeada em 2011 e se aposentou em 2023.

Ao longo de seus três governos, o presidente Lula indicou dez ministros: nove homens e uma mulher. Dois deles, os ministros Cristiano Zanin e Flávio Dino, no atual mandato. Ainda assim, Lula deve indicar o décimo ministro homem nos próximos dias — e o nome de uma mulher não foi sequer aventado. O critério que justificaria a escolha, “alguém da sua confiança”, me deixa intrigada. Não há, no círculo de relações institucionais e no campo de visão do presidente, mulheres confiáveis com notável saber jurídico?

O assunto foi comentado na imprensa sem a contundência merecida. Não encontrei, em nenhum lugar, uma reação proporcional ao escândalo que representa a candidata à vaga não ser, necessariamente, uma mulher. Até que a composição do tribunal esteja no mínimo equilibrada, as indicadas deveriam ser todas mulheres. Mas no clube do Bolinha menina não entra. Temos uma ministra por lá, está mais do que bom. E caso nenhum ministro antecipe a aposentadoria, ficaremos assim, dez a um, pelo menos até a saída de Luiz Fux, em abril de 2028, quando teremos a oportunidade de mudar o placar para um risível nove a dois.

Os finalistas do Prêmio Jabuti na categoria romance literário este ano, foram cinco homens. Será que é razoável admitir que todos os romances de autoras mulheres, submetidos à avaliação do júri são inferiores? Fica a pergunta.

Ainda no campo literário, na Academia Brasileira de Letras, das quarenta cadeiras, trinta e quatro estão ocupadas por homens. Há apenas seis mulheres. No seu discurso de posse, em 8 de agosto passado, Miriam Leitão disse o seguinte: “Somos tão poucas que quero falar o nome das que não estão mais aqui. Rachel (de Queiroz), Dinah (Silveira de Queiroz), Lygia (Fagundes Telles), Nélida (Piñon), Zélia (Gattai), Cleonice (Berardinelli), Heloísa (Teixeira). (…) A literatura feita por mulheres no Brasil é vasta, competente, sensível, oculta, poética, épica, lúdica”.

Outro dia, ouvi de um amigo querido que “praticamente não há cronistas mulheres”. Fiquei confusa. Mais triste do que confusa, na verdade. Pensei em Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Cecília Meireles, Raquel de Queiroz, Elsie Lessa e Ana Maria Machado, mas pensei também em Danuza Leão, Tati Bernardi, Fernanda Torres, Ruth de Aquino e Martha Batalha. E em outras menos conhecidas como esta que vos escreve. Nada do que todas nós escrevemos é digno de ser chamado de crônica? Menina também não entra nesse clube?

Venho de uma família repleta de mulheres. Cresci num ambiente dominado pelo feminino e nele aprendi a enxergar o mundo. Talvez por vir desse lugar e me reconhecer nesse universo, dar com um clube do Bolinha a cada esquina, normalizar a sua existência, além de cansaço, me causa espanto e indignação.

Nós, meninas, entramos onde a gente quiser.

Clarisse Escorel

É escritora, advogada e especialista em Propriedade Intelectual e Direitos Autorais. Estreou na literatura em 2023 com o livro de crônicas Depois da chuva (Ouro sobre Azul). Vive no Rio de Janeiro (RJ).

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