O mês era junho. Carioca, desembarquei em São Paulo equipada para o alto inverno. Na mala, entre outros itens, meu pijama de botão e flanela. Nada sexy, eu sei, mas meu preferido para noites frias. Por uma coincidência de agendas, meu marido e eu passaríamos a noite por lá. Depois do trabalho, nos encontramos num restaurante, jantamos e fomos para o hotel.
Perto das três da manhã acordei sobressaltada. “Lucas, o ar quebrou.” Não houve reação. Quase toda noite, dado que ele dorme bem antes de mim e transforma o quarto numa espécie de amostra grátis do inverno escandinavo, eu imploro: “Abaixa o ar por favor”. Deve ter achado que estava sonhando. Já sentada na cama, prestes a arrancar o pijama e zuni-lo, sacudi o marido adormecido: “Lucas, acho que o ar quebrou”. “O ar está ligado, Clarisse.” “Bom, então tá pegando fogo no hotel. Temos que descer.” Ele despertou e pôs as mãos nas paredes.
A essa altura eu era um palito de fósforo aceso, a chama me consumindo veloz. “Lucas, pelo amor de Deus, tá muito quente aqui. Tá pegando fogo no hotel, vamos descer rápido. Eu não quero morrer. Muito menos queimada.” “Clarisse, não tá pegando fogo no hotel. As paredes estão geladas. O ar está ligado. Não tem sirene tocando, ninguém gritando além de você. Vamos dormir.” “Pelo amor de Deus! Tenha pena de mim. Tá muito quente aqui. Não tô aguentando.” Arranquei o pijama. “Aumenta o ar!”, gritei antes de me atirar no chuveiro gelado.
Aos poucos o aquecimento global customizado foi dando trégua, a chama que habitava em mim foi apagando, o ar gelou, vesti o pijama e voltei a dormir.
F-O-G-A-C-H-O, soletrou uma amiga ao me ouvir. O nome disso é fogacho.
Então é isso. Já tinha ouvido relatos sobre calores e outros sintomas do climatério, mas era como se me relatassem algo distante, um lugar remoto onde nunca estive, um drink que nunca bebi, uma comida que nunca provei e cujo sabor eu desconhecia — no caso o dessabor.
Ao contrário do meu pijama de flanela, testemunha ocular do meu primeiro fogacho, a palavra é sexy, sussurrada: fogacho. Se encaixaria tão bem em outro contexto: “Quando encostei em você senti um fogacho…”, mas deus do céu que calor foi aquele?
Na manhã seguinte — gelada, diga-se de passagem —, saí desfilando por São Paulo com meu blazer de lã, aterrorizada com a ideia de que a qualquer momento fosse ser engolida por uma nova onda de calor extremo.
Nunca mais aconteceu. Passei os meses seguintes me gabando, me sentindo super “xóvem”. Fora um evento isolado e, portanto, eu estava longe da menopausa e do seu nada atraente pacote, eu dizia a mim mesma tentando me convencer.
Nesse verão, como em todos os que vivi na cidade, fez muito calor no Rio. Em alguns momentos tive dúvida se o calor de fritar ovo no asfalto estava fora ou dentro de mim. Optei pela primeira alternativa. Óbvio que era o verão carioca fazendo jus à sua fama e não novos fogachos me queimando as entranhas, sinalizando a aproximação do momento em que a vida vai me dizer, com todas as letras e sensações, que daqui pra frente tudo vai ser diferente.