Metropolitana

No Uber, o locutor da rádio promete ereções incríveis e causa constrangimento, mas a vingança é só uma questão de tempo
Ilustração: José Lucas Queiroz
13/06/2025

PTH2C39. Marcos. Nissan branco. Em cinco minutos. Desci. Às 7h48, entrei no Uber e dei bom-dia. “Qual a previsão de chegada pelo Waze?” “8h11.” “Obrigada.” Vou atrasar onze minutos, digitei para C., a amiga que me esperava para um café.

Sentada atrás do motorista, decidi não mexer no celular durante o trajeto. Costumo enjoar se não estou dirigindo ou no banco do carona e, com os olhos pregados no celular, a coisa piora bastante. Quase sempre acabo aproveitando meus deslocamentos para “adiantar alguma coisa”, fico mareada e preciso olhar para fora à procura de um horizonte que nem sempre encontro. Às vezes recorro à solução das longas viagens de carro da infância, descer o vidro e “respirar ar puro” o que, pelo fato de estar em São Paulo, não seria uma alternativa. Determinada, guardei o celular na bolsa naquela manhã fria de junho.

“Gel volumão”, escutei na voz empostada do locutor da rádio que prosseguiu animado: “Gel volumão, caros ouvintes, para impotência masculina e secura vaginal. Resolve a sua ereção, cuida da sua autoestima”. Procurei, sem sucesso, o rosto do motorista pelo espelho retrovisor. “É um produto completo, vai te deixar em ponto de bala. Um estimulante com vitaminas e minerais para te dar mais pegada.” E então seguiu-se a explicação técnica sobre como o produto atuava “entumecendo o pênis a ponto de quase explodir de tão duro ou lubrificando as pobres senhoras que se aproximam ou já chegaram à menopausa”.

Catei o celular e não desgrudei mais os olhos da tela. Com ou sem enjoo, resolvi deixar claro que não prestava atenção na rádio metropolitana em altos brados. “É a sua vida sexual de volta, caro ouvinte. Aquele sexo de início de namoro. Um produto natural, qualquer homem pode usar. Levanta a cabeça Brasiiiil! É para voltar a ser o incrível Hulk.” Que imagem. Tive vontade de pedir ao tal Marcos que parasse o carro. De solicitar gentilmente que desligasse o rádio, como fiz tantas vezes em táxis ao longo da vida. Mas não queria dar o braço a torcer. Me perguntei se era natural um motorista homem com uma passageira mulher achar que tudo bem sonorizar o ambiente com aquele tipo de conteúdo. Se o cara era apenas um sem noção ou se havia ali uma tentativa de me constranger. Se era caretice minha e tudo bem você estar sozinha dentro de um carro com um desconhecido que está te prestando um serviço e ter que ouvir descrições gráficas acerca das propriedades do gel volumão. Chequei se conseguiria destravar a porta e sair correndo depois de despejar alguns desaforos. Imaginei o que Marcos me diria de volta. O barraco no meio da rua. Considerei denunciá-lo pelo aplicativo, acabar com ele naquele minuto: “Então, Marcos, precisando do gel volumão? Será que você vai ficar todo verde? Rasgar a roupa toda? Sei lá, falaram aí em incrível Hulk, vale o risco não é mesmo?”.

Segui muda no banco de trás fingindo naturalidade enquanto o locutor da rádio metropolitana anunciava um 0800 para a aquisição do produto com preço promocional e nos brindava com a informação preciosa de que um caminhão do gel multiuso estava encostando na porta da rádio naquele instante e os dez primeiros ouvintes que ligassem ganhariam um kit de graça. “Corre porque são só dez! Acabou o constrangimento. Você vai voltar a fazer sexo como antigamente. Presenteie sua mulher, a namorada, a amante. Vai ficar todo mundo em ponto de bala, com a autoestima lá em cima e não só a autoestima, caro ouvinte!”

Entramos na rua onde C. me esperava e torci para que o número 657 aparecesse o mais rápido possível. “Chegamos, é aqui”, eu disse apontando para a casa do outro lado da rua, fazendo com que o sujeito parasse. Saí do carro sem dar bom-dia ou dizer obrigada. Atravessei a rua e respirei aliviada, não sem antes checar o bloco de notas do celular com todas as anotações feitas durante a corrida. Marcos, você me paga.

Clarisse Escorel

É escritora, advogada e especialista em Propriedade Intelectual e Direitos Autorais. Estreou na literatura em 2023 com o livro de crônicas Depois da chuva (Ouro sobre Azul). Vive no Rio de Janeiro (RJ).

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