A questão central da denúncia de assédio sexual e moral atribuída a 14 mulheres ao ex-ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, é o teor da denúncia, assédio sexual. Vale lembrar que, à presunção de inocência deste, corresponde a presunção de veracidade das narrativas daquelas.
Entre as denunciantes encontrava-se a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, colega do denunciado, alguém, portanto, no mesmo nível, sem qualquer subordinação hierárquica formal (ainda que do ponto de vista burocrático, o dinheiro do MIR fosse repassado pelo MDHC), daí decorrem dois aspectos importantes. Primeiro, a simetria entre os dois era apenas estatutária, pois, a arrogância do denunciado ao assediá-la estava alicerçada na certeza de impunidade que tem protegido os homens. Segundo, a coragem e o espírito de responsabilidade demonstrados por uma mulher que aceita a exposição do próprio nome como vítima de situações de assédio sexual, ao tempo em que outras denunciantes são resguardadas pelo anonimato durante as investigações desenroladas pela Controladoria Geral da União, pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República, pela Advocacia Geral da União e, principalmente, pela Polícia Federal. O posicionamento político da ministra Anielle Franco, que emprestou seu rosto público e seu corpo-vetor à palavra de um grupo de 14 mulheres denunciantes, deve encorajar depoimentos de outras mulheres assediadas.
A Organização de Defesa de Mulheres Vítimas de Violência Sexual, Me Too Brasil, afirmou em nota pública sobre o caso que:
Como ocorre frequentemente em casos de violência sexual envolvendo agressores em posições de poder, essas vítimas enfrentaram dificuldades em obter apoio institucional para a validação de suas denúncias. Diante disso, autorizaram a confirmação do caso para a imprensa. Vítimas de violência sexual, especialmente quando os agressores são figuras poderosas ou influentes, frequentemente enfrentam obstáculos para obter apoio e ter suas vozes ouvidas.
As 14 mulheres precisaram recorrer de maneira estratégica a esta organização internacional, para terem sua palavra ouvida e validada.
Todo agressor tem experiência em oprimir, abusar e violentar para concretizar seus interesses. Como resultado, as vítimas se sentem culpadas, acuadas, desorientadas, fragilizadas, desprotegidas, desequilibradas e sozinhas, haja vista a desqualificação de sua palavra, de sua conduta e de sua humanidade, feitas pelo agressor e por homens e mulheres das sociedades machistas, misóginas e patriarcais que compomos. Os agressores prosseguem sua ação orquestrada, por meio de práticas refinadas de manipulação, coerção e silenciamento, douradas por argumentos morais de manutenção da família (amor e consideração à mãe, esposa e filha), do casamento oficializado e de valores religiosos de todos os matizes que os credenciariam como senhores ilibados, além do uso da promiscuidade entre o pessoal e o institucional para resguardar imagens probas, milimetricamente construídas.
A frustração da crença em príncipes encantados, super-heróis, produtos midiáticos de variado grau e consistência, além da fé em vendedores de fumaça localizáveis nas mais diversas estruturas de poder, são temas acessórios nesse episódio. A sabida e exaustivamente comprovada desigualdade de tratamento a crimes imputados a homens negros e brancos, também, pois não é disso que se trata.
A pergunta “e se o acusado fosse um homem-ministro branco, cairia?” não pode desfocar a questão central: 14 mulheres denunciaram um ministro de Estado por assédio sexual e moral. Por óbvio, um ministro de Direitos Humanos não pode ser mantido no cargo enquanto é investigado por denúncias de violação dos direitos humanos de um grupo de mulheres. A demissão é, inclusive, um recurso para descontinuar a prática denunciada.