Moïse Kabagambe foi um jovem congolês de 24 anos, mais um entre tantos imigrantes africanos que conseguiu entrar no Brasil na condição de refugiado. Tal condição significa que Moïse estava submetido, em seu país de origem, a condições de violação de direitos humanos, fosse por questões políticas, religiosas ou culturais, que colocavam sua vida em risco. Sabe-se que os países que recebem refugiados precisam criar políticas públicas de alimentação, moradia, trabalho, renda, escolarização e demais aspectos necessários à integração plena dessas pessoas à nova vida. Mas, no Brasil, essa não tem sido uma prática do governo nos níveis federal, estadual e municipal. Basta ver a situação dramática dos venezuelanos no Acre, dos haitianos em Santa Catarina, dos bolivianos em São Paulo , dos haitianos no Rio de Janeiro e de tantos africanos, vindos de diversos países do continente, em outras regiões do Brasil.
O Brasil é o país de maior contingente de população negra fora de África. E, mesmo no continente africano, somente a Nigéria conta com um número maior de pessoas negras do que o Brasil. Esse retrato, aliado ao sucesso mundial dos nossos jogadores de futebol, principalmente na Europa, deve atiçar fogo no coração de jovens africanos, muito parecidos com os negros daqui (afinal, viemos de lá), motivando-os a vir para o Brasil. O futebol, em especial, faz de nosso país uma terra ilusoriamente prometida à ascensão negra, ainda que nossos meninos negros, jogadores vitoriosos em tantos times europeus, tornem-se alvo de racismo nas próprias nações que os contratam. Um dos casos recentes que mais ganhou repercussão aconteceu na pré-Copa de 2022, quando Vini Jr., jogador brasileiro do time espanhol Real Madrid, sofreu racismo por conta de suas danças comemorativas.
Ao chegarem ao Brasil, contudo, esses rapazes e homens se deparam com toda a sorte de estereótipos e estigmas que o racismo impinge aos homens negros, fator agravado quando de nacionalidades africanas ou haitianas. Quando não são tragados pela miséria, jogados nas ruas das grandes e médias cidades e expostos à caridade dos passantes, resta-lhes exercer trabalhos precarizados, como vendedores ambulantes, ou serviços de pagamento diário, como ajudantes de obra, seguranças, faxineiros, estivadores (responsáveis pelo carregamento e descarregamento de produtos em navios, caminhões ou armazéns), entre outros. E embora esses serviços não contem com nenhum tipo de proteção trabalhista, os contratantes acreditam que os trabalhadores devem render graças pela “sorte” de terem trabalho.
Moïse Kabagambe era um desses trabalhadores. Fazia todo tipo de serviço pesado em um quiosque de praia no Posto 8, localizado na Barra da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro. Moïse, que tinha três diárias atrasadas para receber, dirigiu-se ao estabelecimento simplesmente para cobrá-las, mas terminou morto. Foi espancado por cinco homens portando pedaços de madeira e um taco de beisebol. Seu corpo foi encontrado por transeuntes, amarrado, com contusões no tórax e perfuração nos pulmões.
Este texto termina aqui pois a cada vez que repito a narrativa dessa morte, a voz me falta. Só me resta dirigir ao coração de vocês a pergunta-título desta crônica: quanto vale a vida de um homem negro?