Querido Xande,
Querido Pretinho da Serrinha,
Que presente esse disco do Xande cantando Caetano. Eu me dirijo aos dois porque o canto é lindo, mas os arranjos emprestam ao disco um mar de encantos e caminhos que nos levam a tantos lugares: a Pixinguinha, às quadras de escola de samba, às rodas de partido alto, à Serrinha, a Dona Ivone, ao samba de roda, à Espanha, a Jorge Benjor, ao Ijexá, aos afoxés, aos terreiros, às rodas de choro, aos cabarés, às boates e seus grandes intérpretes dos anos 60 e 70, a Caymmi, ao pagodinho dos 90, às sinfônicas do Recôncavo, à música preta contemporânea e suas misturas todas.
Quando vi Caetano chorando de emoção num estúdio em que vocês mostravam as músicas a ele, ainda não conhecia o álbum e pensei que predominava ali a alegria de saber que vocês o colocariam na boca do povo; você, Xande de todos os lugares do Rio, levaria Caetano para a favela. Ele que depois de seis décadas de música e de intervenção transformadora na cultura brasileira talvez ainda não componha o repertório cantado pelo povo, mesmo tendo sido trilha de novelas. Caetano, embora fundamental, continua debutando num universo de sofisticação que não é alcançado por todos. Mas depois de ouvir o conjunto de canções, imperou a sensação de que o velho Caetano deve ter chorado pela beleza.
Ouvi as músicas em sequência e quando cheguei a O amor, eu mesma chorei e choro todas as vezes que ouço. Uma saudade de Gal, uma dor por não a ter mais entre nós, por tê-la perdido em sofrimentos, aos quais também estamos sujeitas, e frágeis, como ela, podemos sucumbir, entristecidas e impotentes. Aquele poema de Maiakovski, agora na sua voz, Xande, o herdeiro de Tantinho, Bezerra, Jovelina, Leci e Zeca, o partideiro: “ressuscita-me lutando contra as misérias do cotidiano, ressuscita-me para que ninguém mais tenha que sacrificar-se por uma casa, um buraco”.
Seria redundância dizer que o trabalho de vocês é obra de arte, da melhor que nossa gente sabe produzir, porque a gente quer luzir. Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome.