Xixis

Boa dose de ironia sobre um passeio frustrado no parque, elitismo disfarçado de evento e a redenção cotidiana ao lado da amada vira-lata Nina Simone
Ilustração: Marcelo Frazão
07/08/2025

O evento dos cidadãos de bem com camisa da seleção brasileira e enrolados em bandeiras de Israel ou dos Estados Unidos terminou, mas o meu humor não melhorou em nada.

Ao chegar no parque com Nina, encontro um segurança de terno e walkie-talkie. Portão fechado. Por um breve momento, achei que estavam protegendo as plantas dos micróbios, mas não. Um evento de vinho alguma coisa em inglês, wine. Duas palavras em inglês, na verdade: Wine Weekend. Wine é sempre mais caro que vinho. E inquestionavelmente pior. Podia até não ser em português. Aceitamos vin, vino, wein — esses povos fazem bons vinhos. Os wine sempre são bem mais ou menos. Weekend também dura menos que final de semana. É o proletariado se dando mal duplamente: não toma wine e não consegue descansar no weekend.

O segurança de terno diz: “evento particular”.

Eu respondo: “parque público”.

Ele sorri e abre o portão, gritando sei lá para quem: “moradora”.

Entramos, Nina e eu.

Como eu não pude, já que a vergonha não me permitiu, Nina fez por mim um xixi bem caprichado no cartaz da entrada.

Vocês não sabem como é bom ter cachorro.

Passeio curto. A humana volta correndo para casa. Evita ser confundida com os transeuntes ou, deus nos livre, com bebedores de wine.

Em casa, Nina ganha bronca pelos xixis nos lugares errados. Olha em volta como quem questiona quem será esse tal de xixi que a humana tanto fala.

Cara popular esse tal de xixi. Aposto como ele também se enrola em bandeiras de países que não são os seus. Ah, peraê, será que “vira-lata” vem daí? Eles também fazem xixi no lugar errado? Questões.

Em casa, botamos um samba no Spotify e uma água de coco na geladeira. Que wine o quê. Somos titãs. A gente quer comida, diversão e arte. Gado come love strawberry, bebe wine e paga em dólar. The horror! The horror!

Sempre imagino o bebedor de wine como portador de um microphallus. É o truque mais velho que existe, o da cortina de fumaça. O sujeito, inevitavelmente homem, nos distrai fazendo ondinha na taça, cheirando Deus sabe lá o quê, aquela cara de quem não provou, mas não gostou, e solta algo parecido com: “vinho de cor vermelha com toques carmim de aspecto muito vivo”. Sendo que carmim é um tom de vermelho. É como dizer azul com toques de celeste. A gente deixa quieto. “No nariz, mostra-se intenso.” Nunca, nunca é mais ou menos, fraco, meh, fedido — é sempre intenso. Logo em seguida, os suaves toques de qualquer coisa que não seja vinho: baunilha, tijolo, poesia, tapioca, gato, tsunami, orvalho — tanto faz. Terminando, fatalmente, algum comentário sobre taninos. Eu não sei o que são taninos, mas parecem importantes. Devem ser parentes dos xixis.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho