Tudo pela evolução

O maluco que quase foi para o segundo turno em São Paulo é contra, basicamente, a existência de qualquer um que ele julgue diferente
Ilustração: Thiago Lucas
10/10/2024

Acompanhei a eleição a prefeito daqui de São Paulo com muita angústia, face à possibilidade real e palpável de que fosse para o segundo turno um bandido, fascista, psicopata, sociopata e maluco. Um terço dos meus vizinhos considerou uma boa ideia votar nesse energúmeno para comandar a cidade.

Queria muito acreditar que era um voto de protesto, como o no saudoso Macaco Tião, que se candidatou à prefeitura do Rio de Janeiro em 1988 e recebeu 400 mil votos. O slogan do Macaco Tião — que era um chimpanzé — era Tudo pela evolução. Para presidente, macaco Tião! e foi promovido pela revista humorística Casseta Popular. Tião morava no Zoológico do Rio, onde hoje tem uma estátua em sua homenagem.

Mas não. Eu sei que não é um protesto. Eu sei que temos um terço de fascistas mesmo.

Que tristeza.

Que gente pequena.

Fiquei, depois, me imaginando como eu explicaria para um estadunidense típico que, menos de cinco horas depois do encerramento da eleição, o Brasil tem o resultado. Acho que aproveitava e explicava o SUS e matava um gringo do coração.

Eu gosto, e muito, de ser brasileira. Não existe lugar perfeito, mas, dos que existem, eu prefiro um país sem vulcão ativo ou tsunami. Nós temos uma penca de problemas. Alguns bem sérios. Mas temos nome social, não estamos em guerra com ninguém e não tem bombardeio no metrô. Sim, é o básico; sim, são pequenas vitórias. É o que temos para o momento.

O louco que bateu raspando na trave aqui em São Paulo é dessas pessoas que inventam de inventar toda a escuridão. É contra, basicamente, a existência de qualquer um que ele julgue diferente.

Que medo que deu, gente, nem conto.

Saímos, Nina e eu, meio trôpegas e ainda de ressaca moral pelo fato desse arremedo de bípede não estar preso. Encontramos outras pessoas, igualmente desnorteadas. Foi coisa de 1%. Um por cento. É assustador.

Nina comeu, eu acho, foi rápido, uma borboleta.

Google, borboletas são tóxicas? Primeiro link: “Como tratar um cachorro envenenado”. Ai, meu deus. Se borboletas são tóxicas, minha cachorra é imune. Sabe como é, primeira infância na rua, a gente cria uns anticorpos potentes.

Nina comeu uma borboleta em protesto, com certeza. Ainda não entendi muito bem do que, mas foi um protesto. Nina anda muito irritada com a política brasileira, especialmente a paulistana.

Para expressar as suas opiniões, depois de comer a borboleta, xingou a mãe do guarda. Vocês nem querem saber as atrocidades que ela falou sobre a polícia militar. E sobre o pastor alemão que estava com o guarda e não quis brincar com ela. Ah, “está em serviço” é a sua mãe. Mas foi principalmente sobre o guarda. Eu ouvi claramente.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho