Vou a Brasília para um evento, o quinto encontro do Praça Clóvis, na Biblioteca Demonstrativa. Conversamos sobre O que deu para fazer em matéria de história de amor. Falei da geocrítica, da minha pesquisa etc. Leda Cláudia da Silva e Ludimila Moreira falaram das suas pesquisas, de feminismo, de narrador etc. Foi lindo.
Mas, enfim, Brasília. Minha última visita à cidade tinha sido em 2019, para apresentar um paper no XVI Congresso da Abralic (Associação Brasileira de Literatura Comparada). Também foi um bate-e-volta rápido. Minha relação com a cidade é de one-night stand, mas ando aqui na torcida para um compromisso mais sério. Talvez não casamento, mas quem sabe um namoro.
Como sempre, cheguei cedo no aeroporto. Acho um lugar de frente para o janelão, sorte grande. Fico observando o formato dos aviões e não consigo desver tubarões voadores. A morfologia é igualzinha. Barbatanas peitorais (asas), barbatana pélvica (trem de pouso), narina (cockpit), fendas branquiais (janelinhas), cauda (leme). Tem até rêmoras (turbinas). O aerofólio é a primeira barbatana dorsal, aquela partezinha do tubarão que aparece para fora da água e a gente até escuta a musiquinha tum-tum tum-tum tum-tum.
Começo a rir sozinha feito uma psicopata. As pessoas me olham estranho. Finjo que é algo no celular. O celular está desligado. Torço para que as pessoas não percebam.
Na ida, 80 minutos tranquilos e agradáveis dentro do bucho do tubarão.
Ainda com a cabeça no tubarão voador, descubro que existem jacarés e crocodilos no Lago Paranoá e que, de vez em quando, alguém vai nadar e simplesmente desaparece. Isso é tratado assim, com essa naturalidade, ah é puxa desapareceu no lago que coisa.
É uma cidade que ainda não compreendo muito bem, mas de que estranhamente gosto.
Brasília, para mim, é uma cidade de afetos. Gosto de todos os brasilienses, natos ou não, que conheci até hoje. Tudo bem que minha bolha é da literatura, das artes, da música e de esquerda. Fica mais fácil de gostar, é claro, eu sei. Mas apenas mais fácil, não obrigatório. Tem muita gente nessa bolha que é uma mala sem alça, arrogante e com ego do tamanho de um bonde.
Usar a expressão do tamanho de um bonde entrega a idade. Não ligo. As rugas, as pelancas e o cabelo embranquecendo fazem o serviço antes.
Ganhei de presente Delivery, do Tino Freitas. Saiu agorinha pela Todavia. Meu deus, que livro lindo. Daqueles que a gente diz que é para criança, mas que deveria ser lido por todo mundo. Sério, gente, leiam.
O meu voo de volta saiu lá pelas 20h e chegou 23h. O voo anterior tinha sido cancelado e havia gente saindo pelo ladrão. Aquela lenha de obrigar todo mundo a despachar mala que eu, felizmente, não tinha. Dava para cortar a irritação no ar com uma faca.
O aeroporto aqui em São Paulo estava lotado e ficamos dando voltinhas lá em cima até conseguir uma pista livre. Fomos o último avião a pousar. A rodinha tocou na pista e Congonhas encerrou as operações. Os dois voos atrás de nós foram redirecionados para Guarulhos.
O piloto disse “muito bom trazer vocês em segurança, esse voo foi com emoção”. Para além da demora, nem quero saber que emoção foi essa. Não sei vocês, mas eu prefiro um voo chatinho, que dá sono, que a gente dorme torto e acorda com dor no pescoço. Bom mesmo é voo torcicolo.
Um avião lotado feito uma lata de sardinhas (comida de tubarão, obviamente) faz fila ao mesmo tempo para ir embora dali. Consegui pegar um táxi 23h50.
Chego em casa 0h20, morta com farofa, mas feliz feito um bacon (e, pelo visto, com fome).