Sétimo dia

O 7 de Setembro no Brasil não é para amadores, ainda mais se você for mulher
Ilustração: Carina S. Santos
07/09/2023

No meu email, propaganda de uma serra elétrica nova, vitaminada, que gira em sei lá quantas velocidades e tem isso e aquilo. A culpa certamente é do meu pai, mas acho engraçado.

Não recebo uma, uminha sequer, propaganda de maquiagem. Não sei se isso me faz mais filha da minha mãe ou do meu pai, mas acho igualmente engraçado.

Muito se diz da pessoa a partir do tipo de propaganda que recebe. Propaganda mesmo, não spam. Falo daquelas coisas direcionadas porque um dia na vida você já comprou uma ferramenta elétrica um pouco mais robusta.

Hoje seria o aniversário do meu pai biológico, o Edu. Não é o mesmo da serra elétrica. Pessoas muito, muito diferentes.

É nisso que quero pensar hoje. Nos fogos de artifício da minha infância e o Edu dizendo que eram para ele. Não quero pensar em fascistas, golpe, militarismo. Não quero.

Quero um dia Mario Quintana, eles passarão, eu passarinho. Um dia de poesia. Um dia de comemoração à literatura lusófona, à música brasileira.

Ando cansada.

Tem pouco mais de um mês que legítima defesa da honra não é mais argumento para o feminicídio.

Tem 61 anos que mulheres casadas não precisam mais de autorização dos seus maridos para trabalhar e passaram a ter direito à herança.

Eu já era nascida, em 1974, quando mulheres conquistaram o direito de ter um cartão de crédito.

A Lei do Divórcio é de 1977.

Foi em 1988 que a Constituição Brasileira passou a reconhecer homens e mulheres como iguais.

Em 2002, falta de virgindade deixou de ser motivo de anulação de casamento.

A Lei Maria da Penha é de 2006.

Em 2018, a importunação sexual feminina passou a ser considerada crime.

Agora precisamos garantir que as pessoas trans também sejam reconhecidas como iguais.

201 anos desde que Pedro teoricamente deu uns gritinhos por aí e ainda precisamos gritar por aqui.

Nosso grito não pode ser contido.

Sabe, cansa.

Aí passa na minha janela um bípede em delírio achando que o militarismo, o machismo, a misoginia, o autoritarismo, o fascismo e o genocídio são boas ideias.

Dia 7 de setembro no Brasil não é para amadores.

As camisas da seleção passarão, eu ficarei aqui, passarinha, rindo de anúncio e achando engraçado alguém ter uma memória afetiva com uma serra elétrica.

Que os massacres fiquem restritos à sétima arte.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho