Com uma grande e infantil felicidade, recuperei as forminhas de picolé e me pus a fazer sorvetes-no-palito em casa. A produção, naturalmente, inclui agrados gelados para a Nina Simone.
O Pinterest, aquele lugar onde o meu tempo vai para morrer, recomenda uma receita de picolé de vinho branco com morangos. Pode até ficar bom, mas achei que não queria assumir esse lado tão brega assim.
Nina gostou especialmente da água de coco congelada. Depois de um caminho mais longo do que seria razoável, descobri que o que funciona realmente bem para ela é a água de coco congelada em forminhas de gelo e colocadas em sua tigela de água. Eu também gosto. Prefiro a minha água em um copo, mas fica bom de todo jeito.
Inspirada na culinária das estrelas musicais, congelei café, chá, iogurte. Só preciso tomar um certo cuidado para não colocar os também congelados cubinhos de caldo de carne no chá. Parece-me pouco provável que fique bom.
O liquidificador ainda batia os morangos quando chegou a mensagem. “M. não está mais entre nós.” O mesmo câncer que levou minha mãe, levou também a amiga. Esposa de amigo, mais verdadeiramente. Não importa. Aquilo me atingiu como um soco. Vontade de abraçar meu amigo, que está longe. Que perda horrível. Toda perda é horrível. Doença escrota.
Interrompo o liquidificador.
Respondo qualquer coisa gentil. Gentil e sincera, mas qualquer coisa. Não sei o que falar.
Imediatamente me veio à cabeça a imagem de S. morta. Sozinha. Absolutamente sozinha naquele hospital horroroso em deus me livre.
Minha mãe partiu rodeada de amores.
S. partiu na solidão.
Nina Simone me olha muito confusa. Choro segurando a tampa do liquidificador.
Foco, Carolina, foco. Nina quer seu cubinho de água de coco. Quer cafuné, atenção, passeio, agrados, colo e, se não for pedir muito, uma bolinha.
Por pouco não coloco a bolinha dentro do liquidificador. Não seria nem mesmo a coisa mais estranha que já fiz distraída.
O algoritmo agora me sugere que coloque o picolé de frutas dentro de uma taça de champagne.
Ora, faça-me o favor. Em breve teremos sorvete de morango na cerveja, picolé de chocolate no uísque, cubos de caldo de carne no licor, banana congelada no vinho, picolé de pistache no gin, tapioca congelada na vodca, raspinhas de flocos na tequila.
Prefiro ainda manter alguma dignidade, penso, enquanto mexo o cubo de chá no guaraná.
Eu disse dignidade, não coerência. Você que não prestou atenção.