Redes

As paradas para a cachorra fazer xixi e as muitas redes de informações que nos cercam (e sufocam) o tempo todo
Ilustração: FP Rodrigues
09/11/2023

Nina para de repente e eu pareço um mímico fazendo palhaçada na rua. Todo dono de cachorro sabe que existe uma rede invisível de comunicação estabelecida através dos xixis. Cada xixi, um hub de informação. É toda uma internet muito específica, com pontos de coleta e armazenagem de dados. Nina faz xixi em parcelas, de forma a ter o suficiente para conseguir contar todas as fofocas e acontecimentos de sua vida nesse grande blog.

Sabemos que, como em toda rede, existem os inconvenientes, os trolls, aqueles que escrevem com letra maiúscula e outros idiotas. Na internauau, também. Nina passa por alguns cheiros de maneira absolutamente blasé e, em outros, se detém. Analisa. Mede. Faz anotações mentais. Reflete sobre a transcendência daquele cheiro em específico. Tece considerações sobre se deve ou não responder. Quando acha que é algo digno de nota, faz um xixi em cima. Quando considera a argumentação banal, vai embora.

E eu, atrás, acelerando e parando conforme os desígnios de Nina Simone e sua interação social.

Li em algum lugar que as plantas também têm uma rede de informações. Faz sentido. É um ser vivo. Seres vivos se comunicam.

Conheço pessoas que são plantas. Algumas plantas até andam, trabalham com CLT ou dirigem. Eu costumo chamar essas plantas humanas de NPCs.

NPC é “non-player character”, uma terminologia dos games para falar dos personagens pré-programados que interagem com o jogador.

Os NPCs da vida real são, também, pré-programados e não conseguem sair dessa rotina, de um certo destino cruel. Cito, empiricamente, qualquer atendente de suporte de qualquer operadora de celular ou internet. Qualquer. Ah mas e… Sim, também. Qualquer um. A raiva é real, gente.

Ia escrever que ando cansada de redes sociais mas é mentira. Eu nunca gostei. Não dá para, de repente, anunciar um fastio com o assunto como se fosse novidade.

Me dou conta que saí de casa sem celular. Vou ficando, a passos largos, cada dia mais parecida com a minha mãe. Agora, como ela, deixo o telefone em cima da mesa, como se fosse com fio, grudado à parede, fixo, como usavam os neandertais.

Penso seriamente em voltar a ter telefone fixo e secretária eletrônica. Não estou, deixe recado. Quando me der na telha, respondo. A fama de doida eu já tenho mesmo, o melhor que posso fazer é aproveitar.

Nina parece satisfeita com a sua ronda de atualização matinal e começa a me conduzir de volta para casa. Sim, é ela quem manda nessa relação.

Negocio uma parada no café. Ela, gentilmente, aceita.

O café é a minha rede de informações locais.

Fico sabendo que faltará água, que o poste da outra esquina explodiu, que o morador de rua agressivo foi “levado” (muitas perguntas sem resposta), que o boteco do outro lado da rua fechou porque o gerente roubava e que o porteiro velhinho do prédio perto do metrô morreu (não faço a menor ideia de quem seja).

Tudo isso assim, rapidinho, em um cheiro de xixi.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho