Quando o segundo Sol chegar

A invasão do calor infernal por todos os cantos e as insanidades de uma professora em fim de semestre
Um dos tantos memes que circulam pelas redes sobre o calor no Brasil
16/11/2023

Todos os memes estão certos. Moramos em Tatooine.

Está tão quente que Salvador Dali seria considerado realista. Esse calor serviu para me mostrar que não sobrevivo no inferno; preciso melhorar. O mundo deve ter acabado em 2012 e estamos todos no inferno. Agradecendo quem me trata com frieza. O calor está tanto que estou começando a gostar de quem fala cuspindo. Elsa, por favor, pode nos devolver o inverno? Está tão quente que daqui a pouco tem político prometendo chuva. Esse calor podia derreter gordura também. Calor é pouco; o que eu sinto ainda não tem nome. Vou votar no candidato que lançar o programa “meu split, minha vida”. Sensação térmica: de conchinha com o capeta. Ninguém me iludiu tanto quanto aquela chuvinha da semana passada. Uma hora no varal e tudo seco; vai ser muito bom o aquecimento global para as roupas limpas.

Eu acho muito difícil não amar um povo que tem senso de humor. Sempre digo, inclusive, que ser engraçado é mais importante que ser atraente. Isso vale para qualquer coisa exceto salário.

Nina derrete no sofá. Ela olha para mim dizendo vamos passear. Vou regar plantas e ela vai atrás. Chegando na varanda, muda de ideia rapidamente e volta a derreter no sofá. Eu te entendo, Nina, eu te entendo.

Escrevo no feriado. Final de semestre para professores é uma época em que a gente, basicamente, enlouquece.

Por cansaço, a gente faz coisas estranhas, como guardar os óculos na geladeira. Tentar mandar mensagem do meu celular para mim mesma para achar o celular. Colocar roupa, sabão, amaciante na máquina de lavar e esquecer de ligar. Chegar no trabalho e perceber que os petiscos caninos estão na bolsa e o crachá, em casa. Ir de carro, esquecer que foi de carro, voltar de metrô, lembrar chegando em casa, ir novamente de metrô, pegar o carro. Fones de ouvido, a playlist acaba, continuar com fone de ouvido escutando o nada. Ouvi dizer, é para um amigo meu, é para o meu tcc.

O calor não ajuda, mas não ligo. Prefiro assar do que congelar. Se é para passar frio, quero ganhar em Euros.

Mesmo com a sensação térmica vulcânica, faço um café. Como todo brasileiro típico sabe, café não tem temperatura. Nunca está frio demais para um café gelado, nunca está quente demais para um café fervendo. Café é uma entidade isenta de calorias. Café é amor.

Nina me julga mas respeita. Ela já sabe que quando os humanos estão com a caneca contendo o líquido mágico na mão, o melhor a fazer é aguardar a alma voltar para o corpo. Provavelmente esse evento só acontecerá nas férias, mas um dia volta.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho