Piloto Ticha

Entre mamões e brócolis, uma lagartixa vira “piloto de espaçonave” e conquista crianças, pais e até seguranças — menos a mulher-que-grita
Ilustração: FP Rodrigues
04/09/2025

Foi entre o mamão e o brócolis.

Eu e meu carrinho de compras, distraídos.

À minha frente, um casal com uma menina pequena. Devia ter seis ou sete anos, no máximo.

De repente uma mulher começa a gritar. Ai que nojo! Ai que horror! Alguém me ajude! Tenho muito medo, socorro!

Imediatamente pensei em baratas. Larvas. Baratas. Larvas de baratas (isso existe? Céus, espero que não). Pedaços de baratas. Um pedaço de uma barata. Uma barata esmagada.

Ouço a voz do pai da menina, com a maior calma do planeta, completamente ignorando a histérica que continuava a gritar e gesticular, exigindo a presença do segurança do supermercado. “Olha, Bibi, é uma ticha que você gosta, vem ver!” E pega a menina no colo.

O rapaz me pareceu um bom pai. Julguei que ele não traumatizaria propositalmente a sua filha com um pedaço de barata esmagado e que “ticha” poderia ser uma lagartixa. Era.

Lagartixinha linda, em cima de um mamão, tão apavorada quanto eu da mulher-que-grita. O rapaz então, segurando a menina no colo com um braço, pega o mamão-base-de-lagartixa com a outra mão, levanta e diz “vuuum vuuuum espaçonave de ticha”. A menina ri.

A louca continua a gritar.

A esse ponto, já éramos quatro a ignorar a mulher-que-grita.

Chega o segurança, tentando entender a treta.

A menina diz para o segurança: “olha, tio, que ticha linda!”.

O segurança sorri. Agora somos cinco a ignorar a mulher-que-grita.

E a lagartixa lá, pilotando a espaçonave por pura força do pânico.

Aparece, sei lá de onde, mais duas crianças. Entram na brincadeira da espaçonave de ticha. Contando com os pais, agora somos onze a ignorar a mulher-que-grita.

A mulher-que-grita manda chamar o funcionário do setor, indignada. Exige que ele forneça um mamão lacrado em uma caixa para não ter sido contaminado com a lagartixa. O gerente pergunta, com um tom muito sincero: “mas a senhora come mamão com a casca?”.

Agora somos doze a ignorar a mulher-que-grita.

E manda chamar, então, o gerente da loja. A essa altura do campeonato, eu já estava lá apenas pelo espetáculo. Já tinha colocado no carrinho todas as espaçonaves de ticha que queria.

Chega o gerente, acompanhado de outro segurança.

Os dois olham para a espaçonave com piloto. O segurança número dois, gentilmente, pega o mamão das mãos do pai número um e diz, para a lagartixa: “oh, deixa que o pai vai cuidar de você” e leva o piloto com nave e tudo para fora da loja.

Agora somos quatorze a ignorar a mulher-que-grita.

Como a estrela do show voou para longe, o público rapidamente se desfez.

Fui embora ainda ouvindo ameaças sobre processos e que tais.

Espero, de todo coração, que as três crianças (quatro, contando comigo) que vieram ver a espaçonave de ticha tenham sonhos vuuum vuuum isentos de mulheres-que-gritam.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho