Onças e ostras

Entre onças e ostras, uma estante cheia de bichos e uma Curitiba de nomes pitorescos revelam o humor nas pequenas confusões da vida
Ilustração: Eduardo Mussi
18/09/2025

Há um nicho, na minha estante de livros, com espaço reservado para a fauna. Lá vivem o rinoceronte que ganhei de presente do Fábio, dois prêmios Jabutis que minha mãe recebeu, um sapo que eu trouxe de Manaus, um javalizinho e um Maneki-neko que vieram de Tóquio, e um peixe de origem esquecida. Agora, há também uma onça, réplica reduzida de uma obra do João Turin, que ganhei de presente da minha amiga Renata.

Toda vez que olho para essa parte da estante, rio sozinha. Os bichos estão colocados no final da seção dos teóricos, antes da seção de literatura. São eles que fazem a passagem de um assunto para o outro. E, provavelmente, eu sou a única pessoa do planeta que acha isso engraçado.

Vou precisar, assim que tomar coragem, reorganizar meus livros. As seções não crescem de forma comportada, proporcional. Sempre tem alguma que quer invadir o espaço da outra. Os espaços são pequenos. É uma briga ombro a ombro. Lombada a lombada. De vez em quando, pego um livro que imagino não querer revisitar e o conduzo à porta de saída. Já aconteceu umas duas ou três vezes. Não que faça qualquer diferença. Não faz nem marola, como dizem no Rio.

É uma batalha Rússia-Ucrânia. Meses de guerra e aí você vai lá ver no mapa e eles estão brigando por lugares como o oblast de Zaporizhzhia, que tem menos de 2 milhões de habitantes. Eu, que já sou da filosofia de que toda e qualquer guerra é estúpida e desnecessária, acho ainda mais ridículo quando o lugar não tem nem 30 mil km².

Desde que terminei o pós-doc, o oblast que mais cresce é o de literatura. Antes, esse território pertencia ao governo dos teóricos. Foram invadidos, pontes foram queimadas, algumas coisas explodiram. E agora eu preciso rearrumar a estante. Só de olhar dá um desânimo que nem conto.

De vez em quando penso em doar todos os livros e ficar só com os bichos. A coleção Oblast da Fauna aumentaria, naturalmente. Já sonho aqui com um tamanduá, uma capivara, sei lá. De repente, até mesmo um hipopótamo. Não, engraçadinho, não serve colocar um espelho.

Volto agora de um final de semana em Curitiba, onde participei do III Festival da Palavra. Tô só a capa da gaita, como dizem os locais, mas valeu cada minuto.

Além de encontrar gente querida e cumprir os compromissos profissionais, experimentei o famoso sanduíche de bolinho de bacalhau do Ostra Bêbada. Não confundir com o Onça Bêbada, outro estabelecimento alimentício. É uma cidade engraçada. Fica perto ou em, não entendi direito, uma região intitulada Boca do Lixo que, por sua vez, fica perto de uma outra coisa, lugar, bairro, rua, algo assim, que atende pelo nome de Boca Maldita. A essa altura já estou completamente perdida na geografia da cidade, mas me prometeram um homem pelado na varanda. Um cara conhecido por isso, falaram o nome, eu esqueci. Entendi que é na Boca Maldita. Se não é, deveria ser por uma questão de coerência estética.

Não deu tempo de andar de trem na Serra do Mar nem de ver o peladão na varanda.

Serei obrigada a voltar.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho