Logo que rolou o roubo no Louvre, meu primeiro pensamento foi que, se eu soubesse que era tão fácil, tinha trazido bem mais coisa de Paris. Meus amigos, mesmo sabendo que a) não sou ladra e b) estava em São Paulo, gentilmente me ofereceram álibis. Amigo, para mim, é aquele do meme que me ajuda a esconder o cadáver. Mesmo todos eles sabendo que nunca cometi nenhum crime sério.
Do Louvre, o melhor meme certamente foi o da Vitória de Samotrácia falando “não vi por onde foram” e a Vênus de Milo respondendo “eles foram por ali”. Eu ri por dias a fio. Esse é o meu povo, a minha gente, o meu quadrado. O meu tipo de esquisito.
Dou aula de História da Arte. Estou eu lá, falando e falando sobre o Damien Hirst e seus pets no formol, e um aluno levanta a mão: “Prô, ele matou esses bichos?”. Eu congelo por um momento. Resisto à tentação de perguntar qual é a diferença. Respondo que, segundo o artista, não: ele já os encontrou mortos. Passo o dia pensando em como esse menino imagina que o hambúrguer dele é feito.
Desisto. Tenho desistido com facilidade. Aluna manda um e-mail de sei lá quantas laudas pedindo a revisão de 0,3 de sua média final, que já era 8,9 — aprovada, bem acima da nota mínima. Sabe, eu dou. Você vai brigar por 0,3? Amiga, você já ganhou. Toma aqui. Só não vem me pedir cartinha de recomendação daqui uns semestres. Eu não guardo rancor e não lembro o nome de ninguém, mas, para isso, deus (Paul Buchheit) inventou o Gmail, que tem arquivo e busca.
Neste semestre, foram aproximadamente 900 avaliações diferentes. E eu dou feedback para cada uma delas. Isso não é humano. Fora todo o resto: aulas, pesquisa, orientação de TCCs, laboratórios, workshops, palestras, lançamentos, exposições, freelas. Tem ainda uma tal de vida, que me parece bem bacana de se ter. Que cansaço.
No meio de tudo, pergunto para o filho, pela décima quinta vez, como faz uma coisa imbecilmente simples no Excel. Ele ri. Felizmente, ri e responde. Essa geração que vem aí é bem preparada. Espero que tomem o poder o mais rápido possível. A minha geração claramente não sabe o que está fazendo. Já deu, gente, bora liberar espaço aí.
Para um evento em que, além de organizar, eu fui também palestrante, pintei minhas unhas de azul. Vi as fotos. A unha está impecável. Eu estou gorda, cansada, com olheiras, rugas, velha e corcunda. Nem preciso contar para vocês que o esmalte já está todo lascado, bicolor e com aquela impossibilidade de negar que eu lavo louça, cozinho, limpo a casa e corrijo provas.
Vou ao lançamento de livro de um conhecido. Vou dar uma força, sabe. Lançar livro é difícil. Se vocês puderem ir aos lançamentos/aberturas/vernissages de amigos, vão. É tudo muito difícil, árduo, solitário. Chego lá antes do horário, que coincide com um evento familiar. Fico algo como dez minutos. Tempo mais que suficiente para passar vergonha: antes de sair de casa, estava lendo o catálogo Nemer: aquarelas recentes, do Agnaldo Farias, um artista do calibre “fodão”. Tenho maior admiração. Conheço o trabalho dele como artista, já fui a várias exposições. O que eu falo para o sujeito que estou conhecendo naquele instante? Que já li um monte de coisa dele. É verdade, mas é mais ou menos como falar para o Da Vinci que você leu dois Codex do cara. Nunca autoinfligi tanta vergonha assim na vida. Jogo a culpa no alerta para vendaval, tufão, furacão, sei lá o quê em São Paulo e volto para casa rapidamente.
Ao chegar, não há uma única almofada no lugar. O encosto de uma das poltronas agora está na cozinha. Embaixo de um dos gatos, uma caneta Bic, o controle remoto e uma meia. Embaixo do outro, o pé esquerdo de um chinelo. Não serei, acredito, jamais capaz de explicar o espremedor de limão em cima do sofá. Achei melhor não perguntar o propósito do ritual que estavam obviamente conjurando.
A doce Nina tenta, em vão, brincar com os psicopatas que adotei. A bem da verdade, Frederico é meigo. Verônica é que é a psicogata.