O amor por princípio

A vida, a liberdade e a busca da felicidade são valores pelos quais se deve lutar de maneira incansável
Ilustração: Tereza Yamashita
04/07/2024

Nós, os colonizados por Hollywood, associamos o 4 de julho à independência norte-americana. Foi nesse dia, em 1776, que a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América foi assinada e proclamada.

Assisti ao debate Trump x Biden e fiquei em pânico. De um lado, um mentiroso patológico, xenófobo, racista, machista e fascista. De outro, uma pessoa com fala incoerente e com claríssimos sinais de senilidade. Se o Biden não pular fora, vai ganhar o fascista. Deu uma tristeza que nem conto, principalmente por entender como isso se propaga aqui. Feito bactéria, danoso e difícil de conter.

Eu fiz High School na gringolândia e, portanto, recebi toda a lavagem cerebral que era de se esperar nessa situação.

Adoro que a declaração dos gringos fala de algo imensurável como a felicidade. […] certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness.

Em 4 de julho de 1827, a escravidão foi abolida em Nova York. O ser humano gosta de gestos simbólicos, de usar as mesmas datas marcantes, essas coisas. Somos seres de linguagem e de rituais.

O nosso lema também tinha algo parecido, mas em alguma revisão copidesque qualquer, resolveram tirar o amor. A citação original, do francês Auguste Comte que, na minha opinião, deveria estar na nossa bandeira era: O Amor por princípio e a Ordem por base. O Progresso por fim. No nosso caso, isso é da época da Proclamação da República, não da Independência. Não importa. Amar é atemporal.

Veja bem, vida, liberdade e busca da felicidade são, de fato, valores a buscar e a lutar por. Entretanto, são todos valores individuais. O amor não. O amor precisa do outro. Ah e o amor-próprio, irá argumentar o atento leitor. O amor-próprio está ligado à sobrevivência e, portanto, também existe um outro: o predador. Interprete “predador” como quiser.

Quero o amor por princípio. Aceito até uma versão econômica para caber naquela faixinha branca. Amor, Ordem e Progresso. Cabe. Eu medi. A gente pode até pedir pra Madonna usar em algum lugar. Uma almofadinha, sei lá. Que nos devolvam o amor.

Foi também em um 4 de julho (1862), em um barquinho no meio do Tâmisa, que Lewis Carroll inventou, completamente de improviso e no susto, a história de Alice no País das Maravilhas. Ele estava tentando entreter as irmãs Alice, Loriny Charlotte e Edith Mary, filhas do seu chefe, Henry George Liddell, o vice-chanceler da Universidade de Oxford. Três anos depois, no mesmo dia, a primeira edição de Alice… é publicada.

Qualquer um que já tenho precisado entreter crianças entende quão incrível foi a criação de Lewis Carroll. Nem precisa ser sem smartphone, internet ou energia elétrica, em um barquinho cheio de adultos chatos.

Não faço ideia se nesse barco tinha cachorro. Imagino que não. Se tivesse, acho que as crianças não estariam prestes a pular no Tâmisa para escapar do tédio. Não as culpo. A vida sem cachorro é muito difícil. Não quero nem imaginar.

Abraço Nina forte.

Ela não entende, mas permite.

É uma cachorra muito solidária.

Ela tem o amor por princípio.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho