Jovem Mocotó

A chegada de um cão forasteiro dá início a uma reflexão em torno da vida canina e os humanos ao redor
Ilustração; Eduardo Mussi
28/11/2024

Com olhar atento, animado e inocente, quem ele acha que engana. O forasteiro ousou chegar perto da minha mamãe. Vocês nem imaginam o sofrimento. Claro, lati, fui pra cima, tentei tirar um pedaço da coxa, mas mamãe me impediu.

Sacripanta, quem ele acha que é?

Eu lutei muito para conquistar essa humana. Precisei invadir um carro, comer dois sofás, duas poltronas, 29 chinelos, um óculos, uma agenda, uma bolsa, um casaco e nem sei quantos tupperware. Uma vez em casa… na minha casa, que fique claro… uma vez em casa, precisei marcar o território na casa inteira.

Deu trabalho.

Você pensa que é assim?

Vai chegando e ganhando cafuné. Ora, me poupe.

Esse parque é meu, manezão. Só meu.

Aff, agora vai fazer xixi na minha planta? Pera, deixa eu sentir esse cheiro aqui. Vou fazer xixi em cima, para você entender quem manda, mané.

Hm, agora de bexiga vazia vejo que você nem é tão idiota quanto parece.

Os humanos sentam para tomar sopa. Quem toma sopa, senhor? Pede um bacon, um bife, deixa cair, é assim que se faz.

Ah, pronto, agora esse biscoiteiro acha que pode sentar à mesa.

Eu vou matar esse desgraçado.

(Na rua, passa um simpaticíssimo golden retriever. Mocotó late.)

Talvez a gente possa ser amigos, afinal. Nina Simone e Mocotó na luta contra todos os almofadinhas dourados do mundo. Dá até filme.

Minha humana anda meio tristinha, está dando trabalho. É levar para passear toda hora, um inferno.

Em casa, me esforço ao máximo para deixá-la ocupada. Uso todas as técnicas que conheço: xixi na porta da geladeira, matar almofadas, espalhar pelos pela casa toda, mastigar umas plantas, essas coisas clássicas.

Funciona muito bem também dormir de barriga para cima. A humana não resiste, é infalível.

Descobri que contribuir com a dieta também é ótimo. Você faz assim: sempre que tiver alguma comida humana em cima da pia, você tira um pouco. Assim, eles ficam na dieta e sofrem menos. É para o bem deles. Viu como minhas humanas são magrinhas e a sua… bem… não?

Ótima dica! Você não é o jumento que achei que era, afinal de contas.

Vou deixar essa passar.

Já tem quase cinco minutos que não nos dão atenção. Vamos começar a latir para alguma aleatoriedade?

Boa!

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho