Tento explicar para o empreiteiro que a entidade estante de livros é a parte mais importante da obra. Ele insiste em detalhes insignificantes como água, encanamento, eletricidade, sei lá, umas coisas assim. É um amor de pessoa mas tem outras prioridades na vida.
Lembro que M. mora sozinho em um apartamento de três quartos e tem livros até na cozinha. Não livros de culinária organizados e com algum sentido. Não. Livros espalhados. Em cima da pia, em cima da geladeira, em cima do fogão, em cima da bancada. Literatura. Gosto de gente assim. Essa é a minha tribo.
Já fiz uma pá de projetos para a estante. Alvenaria, drywall, placa cimentícia, marcenaria, metal. Não tenho dinheiro para nenhuma mas preciso de alguma. É isso ou guardar livros na cozinha. Pensando bem, sempre é uma possibilidade.
Atualmente, todo armário nessa casa tem alguma quantidade aleatória de livros.
Cometi uma vez o erro crasso de entrar em um sebo em Paris. Três livros por cinquenta centavos. Eu parecia uma criança a quem deram muito açúcar. E café. E refrigerante. E cocaína.
Nina olha desconfiada. Ela se acostumou com a casa e com o caos literário que aos poucos — nem tão aos poucos — toma conta dos espaços. A ideia de organizar isso tudo pode trazer uma desconfortável irreconhecibilidade territorial. Enquanto não tiver livros em sua caixa de brinquedos, ela não percebe a gravidade da questão.
Conheci uma mulher que tinha livros dentro do forno. O fogão jamais era utilizado e o espaço foi preenchido por livros. Você abria o forno e livros. Nunca soube se isso era realmente falta de espaço, uma declaração feminista ou uma metáfora. Talvez um pouco dos três.
Minha mãe, quando viajava, levava só roupas velhas. No final da viagem, jogava todas as roupas fora e trazia a mala cheia de livros. Já fiz isso, uma vez, mas com tintas. Fui parada na alfândega e o meganha, desconfiado, me fez abrir alguns tubos e mostrar que era tinta mesmo. Saí do aeroporto com as mãos coloridas e nenhuma vergonha.
Para minha total surpresa e inconsolável revolta, não são todos os títulos lançados recentemente disponíveis no Kindle. Entendo quando é uma edição anterior ao ebook, tudo bem. Hoje o sujeito lançar um título e não colocar no Kindle também é, para mim, um desaforo. É não querer que pessoas, digamos, de outros países comprem o título. Existe gente que fala mais de uma língua. O mundo não é só de norte-americanos caricatos, não. Fica caro e lento importar. O arquivo já está lá. É uma adaptação fácil, gente. Pelamor.
Me perco na Amazon, obviamente. O que começa com uma busca por um livro termina em um conhecimento agora acumulado sobre caminhas iglu para a Nina. Não comprei nenhuma. São caras e eu sei que a Nina ou vai comer um pedaço ou ignorar a existência por completo. Que ia ser fofo, ia.
O futuro é bichinhos fofinhos no Tiktok. Nina não colabora com a minha ideia de transformá-la em uma influencer. Assim fica difícil ganhar dinheiro. Trabalhar? Cruz credo.