Existe uma máxima que diz que se você quer algo feito, entregue a alguém ocupado. Com tudo que acontece na minha vida profissional no momento, o timing não poderia ser pior, mas ainda assim, comecei um novo projeto. Não, eu não tenho juízo. Não, eu não durmo. Sim, eu sigo as minhas paixões. E história da arte é um grande amor.
Nina acha muito estranho esse negócio da humana olhar para uma tela e falar “sozinha”. Ela não aprova a minha iniciativa.
Toda hora me perguntam como faço tanta coisa diferente ao mesmo tempo e eu sempre uso uma frase do Antonio Cícero para responder: “depende do que você entende por ‘ao mesmo tempo’”.
Quando li sobre a morte de Cícero, pela mídia como todo mundo, não fiquei em choque. Entendo os seus motivos. Mas fiquei tristíssima, como se tivessem me roubado um pouco do que é belo.
Antonio Cícero se foi com a mesma dignidade e coragem com que viveu.
Quando S. morreu, encontrei em sua escrivaninha anotações para uma viagem à Suíça. Não falava sobre o suicídio assistido, mas estou absolutamente convencida de que a intenção era essa. Ela estava doente e não contou para ninguém. Infelizmente a doença foi mais rápida que o avião e não lhe foi dada a oportunidade de fazer uma escolha.
Eu sou fã do Cícero. Um dos meus poemas favoritos é um velhinho, intitulado Onze e meia, publicado pela Record em 1996.
Quando a noite vem
um verão assim
abrem-se cortinas varandas
janelas prazeres jardins
Onze e meia alguém
concentrado em mim
no espelho castanho dos olhos
vê finalidades sem fim
Não lhe mostro todos os bichos que tenho de uma vez
Armo o circo com não mais do que uns cinco ou seis
leão camelo garoto acrobata
e não há luar
e os deuses gostam de se disfarçar
Confesso minha ignorância. Não li Cícero filósofo. Só li Cícero poeta. Suspeito, entretanto, que a linha que os separa é, se existente, tênue.
Amo a forma como ele cria a cadência do poema pela métrica das palavras, sem precisar de pontuação. Fazer isso na narrativa poética, sintética, curta, é muito mais difícil do que em prosa porque é necessário fornecer, também, o ritmo da leitura. Desculpe, mas que Saramago o quê.
Antonio Cícero, o garoto acrobata, me ensinou que é possível. Que a dignidade, a força e a coragem sempre andam juntas com a beleza.
Obrigada.