Eu me remexo muito!

Precisamos normalizar o hábito de encarar feio pessoas barulhentas em lugares públicos
Ilustração: Eduardo Mussi
30/11/2023

No metrô, uma mulher sem noção escuta um vídeo com áudio alto, aberto. Todos no vagão p-r-e-c-i-s-a-m ouvir esse meme. Não sei como cheguei até aqui sem ouvir isso. Obrigada, mulher mal-educada aleatória.

Cidadão do meu lado acha razoável falar em um tom de voz audível em outro bairro. Ao telefone, organiza uma equipe, uma venda, sei lá, algo do capitalismo galopante que assola a gente. Só existe ele no mundo. Seu ego é de um tamanho tal que supõe que absolutamente todos no café desejam saber o que acontece em sua vida. Ele é tão importante que, imagina, não há conversa mais interessante no planeta.

Precisamos normalizar o hábito de encarar feio pessoas barulhentas em lugares públicos.

O som não respeita limites. Você não consegue olhar para o lado e não “ver” o som. Ele te persegue. E, sabe, deus já inventou o headphone para vídeos, áudios, joguinhos e afins. Para falta de educação, infelizmente, ainda estamos longe de uma solução tecnológica.

Nessas horas eu queria ser um desses trogloditas gigantes, com o braço do tamanho da minha coxa, medindo uns 2 x 3 metros, tipo um armário. Eu seria a responsável pela regulamentação do arremesso de celulares como esporte olímpico. Consigo até visualizar a competição. Com destruição total do aparelho, primeiro lugar. Sem destruição mas em um lugar inalcançável, segundo lugar. Recuperável mas vergonhoso o suficiente, terceiro lugar.

Quando o sujeito é realmente sem educação, aquela falta de educação raiz mesmo, não essas coisas nutela tipo videozinho, fala alto com quem está do lado. Na esmagadora maioria das vezes, seu interlocutor está morrendo de vergonha e vai falando cada vez mais baixo, em uma tentativa desesperada por alguma privacidade.

Existe, claro, o estereótipo da “família italiana”. Oi, prazer, Carolina VIGNA. Estou aqui no meu lugar de fala. Estou aqui em um banquinho, de pé, com um holofote ligado, no meu lugar de fala. “Família italiana” é só uma desculpa para gritar e ser mal-educado. Pronto, falei. Existem descendentes de italianos, muitos, que não fazem isso. São aqueles com senso de ridículo. Pronto, haters em 3… 2… 1… Me odeie, mas odeie em silêncio.

Tem algum vizinho no prédio assistindo Red: crescer é uma fera pela centésima vez. Desse eu tenho uma certa pena. Deve ser filho pequeno, naquela fase de repetir o mesmo conteúdo até os olhos sangrarem. O meu, nessa etapa da vida, assistiu Madagascar umas trinta vezes. Eu acho. Teve um momento em que parei de contar. Até hoje eu sei falas de cor. O bichinho peludo que acompanha os icônicos Rei Julien e Maurice se chama Morty. Não precisei googlar, está escrito com canetinha de retroprojetor no meu cérebro.

Eu me remexo muito
Eu me remexo muito
Remexo
Muito

Nina abana o rabo, acompanhando. Ela também se remexe muito.

Graças à memória afetiva, o mau humor com o mundo, as pessoas, o planeta… Mentira. Graças à Síndrome de Estocolmo, o mau humor com sons altos rapidamente passa quando toca a musiquinha do simpático lêmure animado.

Saímos, Nina e eu, nos remexendo muito para dar uma volta em algum lugar mais silencioso. Um canteiro de obras, talvez. Dou notícias semana que vem.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho