Os cabelos grisalhos, as pelancas e as rugas não foram o suficiente para que eu me sentisse velha. Estão aqui, impressas no meu corpo, lembrando-me de que passo de meio século, mas não chegam a incomodar. A certeza da velhice chegou através das mãos, entregue como um frágil presente.
Foi quando reconheci, nas minhas mãos, as das mulheres que vieram antes de mim. Foi quando vi, nas minhas mãos, as mãos da minha mãe e da minha avó. Mãos que sempre admirei. Mãos que pedem aposentadoria e que sabem que jamais descansarão.
Sou uma ladra com bom gosto, então roubo de Pessoa:
A mão posta sobre a mesa,
A mão abstracta, esquecida,
Margem da minha vida…
A mão que pus sobre a mesa
Para mim mesmo é surpresa.
Porque a mão é o que temos
Ou define quem não somos.
Com ela aquilo fazemos
Olho para a mesa e vejo a mão. Não posta, ativa, móvel. A mão deixa, propositalmente, um rastro. O desenhista procura encontrar no seu gesto o fluxo e o fluido do que quer expressar. Existe até mesmo a expressão “encontrar a mão”. Dizemos que desenhar é pensar com a mão. Precisa ser orgânico.
O pianista tem a fama de lutar contra a natureza de sua mão. A coloca em posições que causam dor e dano. O Pedro Taam fala do assunto em sua tese de doutorado, criticando essa noção. As mãos de Antígona, a voz de Isolda. Defendeu em 2023, com o subtítulo “Suavidade reencontrada”. Ele diz que apesar do grande esforço que, sim, existe, esse esforço não consiste em lutar contra a natureza da mão. Naquele momento, físico, pianista e filósofo. De lá pra cá, ele fez mais umas quinze formações, mudou-se de país e agora vive em outro idioma e faz outras coisas. É difícil de acompanhar.
Eu sou desenhista e não toco piano, mas, independentemente da arte que a mão faz, concordo com o Pedro. Lutemos contra a natureza em outros fronts.
A lembrança das fotos de mãos que Pedro tinha em cima de sua mesa de trabalho ainda vive na minha memória. Um dos pares de mãos era da minha mãe.
Olho para as minhas, que sempre tiveram um fazer próximo, e que agora são também embaladas por uma pele parecida.
“Na medida em que a mão empreende o trabalho de conhecer a si mesma, ela constrói a si mesma”, diz Pedro (p. 24 da sua tese). Ele fala sobre piano, mas tenho para mim que essa frase se aplica a qualquer trabalho e qualquer construção. Não seriam sinônimos?
A mão é a primeira coisa que reparo em uma pessoa. Não unhas, manicure, bobagens dessa natureza. A mão como um todo. É uma mão que cria ou que destrói? Só me interessa o primeiro tipo. Por outro lado, é possível criar sem destruir? É possível lembrar sem esquecer?
Quando desenho, olho para a minha mão. Quando escrevo, não. Quando escrevo, olho para a tela, não para o teclado. Talvez na velhice, que me chega de forma galopante, eu apenas escreva. Talvez a letra seja o cavalo perfeito para fugir da decrepitude.
Nina coloca a cabeça sobre minha perna, pedindo carinho. Para ela, não importa a velhice da minha mão. Ela tem razão.
É sempre em um cafuné que tudo se resolve.