Fiz algo que não fazia tinha muito, muito tempo. Li um pouco do Facebook. Normalmente só entro, vejo notificações, respondo alguma mensagem aleatória e saio correndo. Hoje, li. Meu deus, se arrependimento matasse. Facebook é o lugar para onde as informações vão para morrer. Uma espécie de geleira para o idoso esquimó digital.
Engana-se quem pensa que eu tenho tempo livre. Que me falte o que fazer. O que me falta é vergonha na cara.
A questão é que chove. E isso significa que Nina e eu ficamos sem parque. Difícil dizer quem leva quem para passear. O fato é que chove. Faz frio, está tudo molhado e minha rinite já compareceu. Explico a questão para Nina. Ela entende e me apoia na decisão de ficar em casa. Pijamas, coberta e Spotify. Nina Simone é uma pessoa muito compreensiva.
Em cima do meu computador, grudados no armário aéreo, lotado de papel, algumas fotos. Filho e Felipe, filho e Bruno, filho lendo, meu pai tocando violão, meu pai e Pedro, minha mãe rindo.
Minha mãe não era uma pessoa de riso fácil. Ela segura um drink verde claro com uma flor espetada no copo. Sei lá. Deve ser caipirinha, que ela gostava. Ela ri. Acho que essa é a única foto que tenho dela rindo. Não sei ao certo onde é, sei que é no norte do país. Meu pai não aparece nessa foto mas estava lá. Eu, não. Só conheço a foto. A foto e a história que aconteceu nesse restaurante. Não, não vou contar.
Na foto, Pedro está mais brasileiro do que está hoje. Hoje, virou francês. Cartunescamente francês, camisa listada e boina. Sei que está feliz e esse fato me traz paz.
Na foto, Bruno está mais novo, mas é ele mesmo. Esse fato me traz paz.
Meu pai não toca mais violão, mas sempre tocará violão para mim. Na foto, ele é ele como sempre foi e como sempre será. Esse fato me traz paz.
Felipe e meu filho riem. Se adoram. Esse fato me traz paz.
Filho, minúsculo, lê. Ele está sempre lendo. Nem sempre o que precisa ler, assim como sua mãe. Mas sempre lendo, assim como sua mãe. Esse fato me traz paz.
Minha mãe ri e eu acho estranhíssimo. Esse fato me tira o sono.
Faço questão de aparecer rindo em fotos, para que meu filho tenha esse registro quando eu morrer.
Não quero apenas ser reconhecida como uma mulher profissional, séria e competente. Sim, claro, quero isso também. Mas não apenas. Também quero ser a avó louca, a mãe parceira, a amiga doida, a tia engraçada. Somos seres heterogêneos por natureza e podemos ser tudo. Posso estar fazendo o segundo pós-doc na Sorbonne e conversar com a cachorra ao mesmo tempo. Quem liga? Ninguém. Que diferença faz? Nenhuma.
Olho para o meu feed no Facebook e tenho pena da maioria das pessoas. Escolhem uma persona e seguem com ela, como se fosse essa a única verdade possível. Limitam-se. Delimitam-se.
Esses valores mercadológicos, capitalistas, midiáticos, passarão.
Eu não, cruz credo.
Eu, passarinho.