Pisquei e completei, nessa semana, 53 bem vividos. Uma pneumonia apagou do calendário a comemoração, o que me deixou bem chateada. Gosto de celebrar a passagem vitoriosa do tempo. Vitoriosa porque estou, ainda, viva. É suficiente para festa.
O cansaço extremo decorrente da doença se mistura com o cansaço extremo do excesso de trabalho, com o cansaço extremo das demandas abusivas e o cansaço extremo dos poucos dias de repouso. Ando com a energia de um chuchu cozido. Minha lista de pendências só cresce e os prazos encurtam. Sei que vai passar, mas não me reconheço no gastrópode que vejo no espelho.
Estou sem gás até para acompanhar as informações mais importantes na vida: as últimas tretas literárias, as fofocas do prédio e a coluna social informal do trabalho. Tenho me comunicado por memes e figurinhas do WhatsApp.
Continuo gostando da animação, nem que seja a dos outros. Na Paulista, aos domingos, tem Elvis, bailarina, ciclistas, músicos dos mais variados, um mágico, dança circular, caricaturistas, barraquinhas com muitos sabores e cheiros diferentes, artesanato e, principalmente, cachorros.
Em um elaborado sidecar de bicicleta, um menino e seu cachorro. Nina Simone ficou muito confusa. Na dúvida, não latiu. Vai que o cachorro é um jabuti. Ou da realeza, algo assim. Melhor não arriscar.
“Ser um jabuti” é o termo que usamos quando alguém foi colocado em alguma função para a qual não tem formação, preparo e/ou competência. É assim: jabuti sobe em árvore? Não. Então se você vir um jabuti em cima de uma árvore, é porque alguém o colocou lá. Melhor não mexer.
Antigamente, a gente chamava isso de “peixe”. Fulano é peixe de Sicrano. Conforme os anos passam, os animais mudam e os mandantes se tornam anônimos. Sujeitos indeterminados, acovardados, envergonhados.
Para Nina, que é jovem, o cachorro no sidecar é um jabuti.
Pouco tempo faz que passou pela avenida a Pedalada Pelada, com um monte de peladões de bicicleta. Infelizmente, perdi.
Em São Paulo, ser ciclista é praticamente sinônimo de ser ativista político. A cidade é toda pensada para o usuário de carro. Isso está mudando aos poucos com as novas linhas de metrô e as ciclofaixas, mas ainda há muito a ser feito.
Quando ainda morava no Rio de Janeiro, eu andava de bicicleta. Aqui chegando, pensei em manter o hábito. Rapidamente mudei de ideia. Já tem quase 20 anos, mas ainda lembro do pânico absoluto que senti, causado pela agressividade e violência dos motoristas, dos motociclistas, dos guardas de trânsito e até mesmo dos pedestres. Andar de bicicleta na cidade de São Paulo é um ato de coragem e não é para amadores. Eu não sou nem corajosa, nem atleta.
Faço um esforço hercúleo para ir em uma academia brigar contra o sedentarismo e a única possibilidade de andar de bike é se tiver algum tipo de motor envolvido. Minha pedalada hoje tem que envolver um cobertorzinho, almofadas, um bom livro e Nina no meu colo.
Só de pensar em, de fato, pedalar para chegar em algum lugar vai me dando uma leseira que ôxi. Vou aqui passar um café e ligar a Netflix.
Nem posso culpar a pneumonia. A preguiça é anterior e já está instaurada faz tempo.
Além do que, Nina Simone acha esquisito esse negócio de duas rodas. Nem um pouco confiável. Um perigo para rabos alegres.