Dias de potinho

Toda quinta-feira, a cozinha se transforma numa animada agitação entre temperos, legumes, gelos esquisitos, sob o olhar atento de uma cachorra
Ilustração: Eduardo Mussi
23/05/2024

Quintas são os dias de que Nina Simone mais gosta. Adoraria dizer que é por causa das minhas crônicas, mas ela não sabe ler.

Com a vida corrida do jeito que é. Com a velhice galopando ao meu encontro e a necessidade de cuidar da saúde. Com a conta bancária sempre à míngua… Eu cozinho.

Tiro um dia para cozinhar um monte de coisa, coloco em potinhos e congelo para a semana.

Quintas são os dias de potinho.

Aproveito para fazer sorvete, um alimento tão necessário quanto café ou proteína. O sorvete é sem lactose mas cremoso, para os intolerantes na família. Há uma vasta distribuição de potinhos também.

Coloco o feijão de molho logo no começo do dia, enquanto vou tocando a lida do restante.

Obviamente esqueço de algo e preciso sair rapidamente no mercado. Não sei onde anda minha cabeça, sinceramente. Está a cada dia pior. Volto com esse algo e mais uns oito ou nove algos de que eu não precisava.

Nina me olha confusa. É um dia muito fora do padrão.

Separo todos os ingredientes. Isso é absolutamente desnecessário, mas eu gosto de me sentir como um daqueles shows culinários na TV com tudo pronto para usar. Não pela TV, mas pela organização.

E já que estou na cozinha mesmo, preparo também os agrados de Nina Simone. Cenoura cozida, um restinho do brócolis, a gordurinha da carne, o que sobrou do frango, uns pedaços de manga, o arroz que não coube nos potinhos, essas coisas. Bato tudo no liquidificador e coloco em forminhas no congelador. É um tipo de gelo muito esquisito. Não julgue. Você coloca laranja na feijoada que eu sei.

Nina observa tudo com muita atenção e, durante o dia inteiro, vai ganhando um ou outro bocado do que entra nos potinhos.

Não dou aulas às quintas. Pelo menos, nesse semestre. Meu horário muda toda hora. Depois as pessoas não entendem por que professor não tem vida social.

Quando não cai sobre mim nenhum tipo de emergência hidráulica, informática, acadêmica, automobilística, cataclísmica, quinta é um dia sossegado.

Quer dizer, passo o dia inteiro em pé, cozinhando, cuidando da minha casa. No meu dia a dia, isso significa tranquilo. Não menos cansativo, mas tranquilo.

Abro uma cerveja, coloco uma música.

Eu também gosto de quintas.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho