Crônicas do estranhamento (8)

A volta a São Paulo, após uma temporada em Paris, está repleta de saudades, reencontros e estranhezas
Ilustração: Carolina Vigna
20/02/2025

No voo de volta, botei a filmografia em dia. Assisti Conclave (2024). Desculpaê mas sou time Fernando Meirelles. Dois papas (2019) coloca o filme do Edward Berger no bolso. Aí vi mais um monte de coisa idiota que não vou admitir em público.

Do meu lado, um sujeito triste. Fluente em português, francês, inglês, alemão, espanhol. Isso, do que eu o ouvi falando. Puxa conversa. Percebi que seria inútil usar a técnica milenar de responder para gringo em português ou para brasileiro em francês e escapar da conversa. Nem tentei. Ele era simpático e até bem bonitinho. Ouvi sua história inteira. Ele perguntou a minha. Respondi, pós-doc, essas coisas. Ele imediatamente passou a me tratar por doutora e logo em seguida se calou. Ando tão cansada da tal masculinidade frágil que nem sei, viu.

Depois de pegar mala, fomos — mala e eu — cheirados com método e atenção por um lindíssimo pastor belga malinois de colete, crachá, insígnia, patente e bem mais poder do que eu jamais tive. Não encontrou nada de interesse em nenhum dos meus pertences e então o humano dele, armado até os dentes, me deixou passar.

Já estou no Brasil. Já estou em São Paulo. Já estou na minha casa. E, mais importante que onde, já estou com quem amo. Nina me segue até para tomar banho, como quem diz “não me abandone de novo, humana estúpida”. As saudades que tive desse quadrúpede, meu deus.

Infelizmente, não foi ela quem me buscou no aeroporto. Foi a minha rinite alérgica. Desde que cheguei, não paro de tossir, espirrar e meu nariz parece uma torneira com defeito. Minha voz decidiu pedir asilo político e ficar na França. Tudo bem. Não preciso respirar ou falar mesmo.

Quero sair. Estou, em casa, de bermuda e chinelo. Sabe o que eu faço? Levanto e saio. Não preciso colocar calça térmica, anágua, meia de lã, botas, segunda pele, cachecol, touca de natação, luvas, gorro, armadura, colete, manteiga de cacau, túnica, polainas, pijama e, finalmente, casaco. Não. Eu levanto e saio. Como estou. É um tipo de super poder. Você pode voar? Não, mas eu posso sair de casa como estou. Oooooh.

A primeira ação como repatriada foi comer uma coxinha com suco de caju, com Nina, no boteco da esquina.

Estava sentindo falta da comida boa e fresca, da faixa de temperatura onde humanos sobrevivem e da seção de frutas, verduras e legumes do mercado.

Não estava sentindo falta da má educação no trânsito, dos pedintes, da miséria escancarada, da sujeira e do preço dos cogumelos.

Os estranhamentos, claro, continuam. São meus, não são do local e, portanto, me acompanham.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho