Crônicas do estranhamento (5)

Do ovo pochê ao sonho de aprender muitas línguas, há no meio do caminho em Paris um indigesto prato chamado “andouillette”
Ilustração: Carolina Vigna
30/01/2025

Essa semana tudo aconteceu no Brasil. Caos absoluto, enchentes, chegada dos deportados, Oscar e as reuniões de começo de semestre. No mundo, o trisal Trump, Milei e Musk está fazendo a festa da extrema direita. É saudação nazista pra lá, ação nazista pra cá. O Zuka, que não é bobo, não quer ficar fora do rolê e está propondo um poliamor.

Eat the rich.

Sabe, gente, eu saí por dois minutinhos, só. Não precisava tudo isso.

No momento, me preocupo com o início do semestre letivo. Apesar de sofrer as consequências como qualquer pessoa, eu tenho muito pouco a fazer sobre todo o resto. Reunião remota, preparação de aula, Moodle, Enade, aquela coisa toda. E minha cabeça está onde? Em filho, em gato, em cachorro, é óbvio. Muito difícil não ter acertado na mega sena da virada. Estragou uma parte grande do meu planejamento.

Do lado de cá, montagem de exposição, conferência, aula, enfim, o que vim fazer aqui. Cabeça está tão cheia que fico contente de que só a mala é pesada no embarque.

Num desses dias mais cansativos, desço para comer algo no meu já favorito restaurante, o Le Clou de Paris. Imbuída da vibe do meu filho, decido passear pelo cardápio. Vi uma coisa chamada andouillette que parecia uma linguiça. Pedi. O garçom, que já é meu parça, se recusou. Disse que eu não ia gostar e que ele ia me trazer outra coisa. Meus amigos franceses me falaram que esse homem gentil me salvou. Que andouillette é tão horrível quanto ele me descreveu com gestos sobre o intestino e uma careta de vômito. O prato que ele decidiu que eu ia comer estava, de fato, delicioso. Jamais saberei o nome ou mesmo se existe no cardápio.

Estou vivendo esse período em um espaço que cabe mais ou menos uma pessoa em pé. A saudade da Nina é tanta que começo a achar que daria perfeitamente para ter um cachorro aqui. O apartamento inteiro deve ter algo como 15 metros quadrados. Não, isso não é um exagero literário. É claro que eu poderia ter trazido uma cachorra hiperativa vira-lata de porte médio. Não vejo problema.

Cozinhando aqui dentro do armário glorificado que parisiense chama de apartamento, as receitas de acampamento têm me salvado. Não estou acampando, graças a deus, mas o espaço é bem parecido.

Se tem uma coisa que eu vou sentir saudades daqui é a bandeja de cogumelos por 0,90 euros. Rende três pratos.

Passeando por receitas novas, finalmente aprendi a fazer ovo pochê. E eu nem gosto tanto assim de ovo pochê.

O nome que a gente dá a esse tipo de aprendizado rápido é desespero.

“Ovo” em francês é mais divertido porque eles usam aquela letra que é o O e o E grudados como se já não fosse suficiente eles pronunciarem as vogais no modo aleatório.

Tem um vídeo velho, de 2016, do Sebastian Marx em turnê em Montreal, que eu simplesmente adoro. Ele é novaiorquino mas fala um francês perfeito-com-sotaque. Ele diz que não é culpa dele que ele fala daquele jeito, com sotaque francês e não canadense. Isso por si só já é hilário porque o sotaque canadense é pavoroso. Ele diz que é culpa da língua francesa, que não foi criada por linguistas, mas por artistas expressionistas abstratos. Olha, faz todo sentido.

Eu sou totalmente público-alvo desses vídeos de humoristas sacaneando idiomas. Um outro, mais velho ainda, para onde eu sempre volto, é o do Kaya Yanar falando sobre os artigos Der, Die, Das. Esse eu conheci nas aulas de alemão em 2007 ou 2008, não me lembro. Também não lembro quase nada de alemão, então está tudo bem.

Se algum dia eu me aposentar, volto a estudar alemão, italiano, árabe, espanhol, japonês, coreano, grego… Meu grande sonho tipo gênio da lâmpada é “quero ser fluente em todos os idiomas que existem em qualquer lugar ou época”.

Depois reclamo de cabeça cheia. Enfim, a hipocrisia.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho