Nina traiu o movimento. Recebo fotos e vídeos (que só fazem aumentar minhas saudades) e ela — claramente, inequivocadamente, sem convicções, mas com provas — fez amizade com um golden retriever. Ok, ela também fez amizade com dois caramelos. Talvez na contabilidade canina isso faça algum sentido. Não sei o que pensar.
Passo dias escrevendo e o texto diminui. Eu já aprendi o suficiente de escrita para entender que isso é um processo normal e que a leitura ficou melhor e mais interessante, mas dá um certo desespero.
Para me recuperar do baque emocional de ver meu texto encolher, decido sair e continuar minha busca pela mudança de estilo e roupas novas.
Paro um momento no café onde já sentei tantas e tantas vezes, com tantas pessoas diferentes. Hoje, sozinha. Eu e minhas ausências.
Continuando a minha, suspeito, longa série “rico-sem-noção”, tenho muita dificuldade em compreender essas roupas que vão até o chão. Tipo vestido com a barra que arrasta, a echarpe estilo Isadora Duncan, essas coisas. Pode até funcionar para foto, mas não dá para andar e vai estragar em dois minutos.
Não uso nada que me impeça de sair de onde estou com facilidade. Sei lá, dá uma claustrofobia, um medo feminino milenar, aflição, chame como quiser. Preciso conseguir fugir. Sempre faço a rota de fuga mentalmente, de qualquer situação. Mulheres, de uma forma geral, aprendem isso desde muito novas. É um pesadelo constante. Então, não uso nada que impeça a minha mobilidade.
Por exemplo, nada de saltos muito altos, apesar da minha absoluta clareza que daqui, do alto dos meus 1,62 m, eu certamente me beneficiaria deles.
Encontro uma saia e um vestido. Estamos na época das boas promoções, depois do Natal e antes da entrada das novas coleções. Pretendo aproveitar o máximo que puder. Vou comprar, feliz da vida. Os 40% de desconto são só para quem tem o cartão fidelidade. Eu não tenho, obviamente. A moça atrás de mim se oferece para passar no dela. Aceito. Não custou nada a ela e me ajudou bastante. Ainda não encontrei a tal antipatia francesa. Sei que existe em algum lugar.
O garçom lá pelas tantas se senta à mesa para conversar comigo. Primeiro achei estranhíssimo mas depois compreendi que era um elogio. Era uma forma de falar que ok, o seu francês é um lixo, mas você não é norte-americana e isso já é bom o suficiente para eu querer falar com você. Me conta que está aprendendo português. Então agora nós ficamos assim. Eu falo em um francês ruim, ele responde em um português ruim e ninguém se entende. E está tudo bem.
Vou levar um presente pra Nina. Sim, é ridículo. Sim, é um cachorro. Eu não dou a mínima para o que pensam.
Comento com uma pessoa desimportante “era nessa rua aqui onde fiquei hospedada, menina de todo, na casa de um meio-que-tio exilado”. A pergunta a seguir era previsível. A insistência me incomodou. Não sei dele, não sei se está vivo ou morto, mas respondo que não fico com ele porque não tem aquecimento e nem internet no cemitério. Eu queria mesmo dizer no inferno, me contive. Quero cortar o assunto. Funciona. Talvez eu não tenha encontrado a tal antipatia francesa por estar procurando no lugar errado, do lado de fora do meu quadrado.
Espelho, espelho meu.