R. me comprou um mouse gamer. Ergonômico, macio, a rodinha funciona. E acende, como todo equipamento gamer. Meu teclado também tem luzes coloridas. Assim como em todas as demais escolhas informáticas, R. esteve envolvido na questão teclado mecânico para não lesionar tanto assim a mão cuida da sua tendinite. Ele está certo em todos os pontos que verdadeiramente importam, mas confesso que ainda não me acostumei com essa discoteca na minha mesa.
Nina não gosta do mouse. Não desse em específico, ela não gosta de nenhum mouse. Ou do teclado. Ou do computador. Computador significa trabalho. Trabalho significa menos passeio. Trabalho é a mesma coisa que chuva e, portanto, uma coisa horrível.
Deixo o mouse e o teclado brilhando em silêncio e atendo aos desejos caninos.
De férias, escolho o caminho mais longo, mais torto, mais esquisito, para um lugar aleatório sem destino e sem propósito. Decido que os skatistas na calçada marcam o ponto de retorno. Nina desconfia, com toda razão, de humanos deslizantes.
Volto tão distraída que passo a portaria do meu prédio e preciso retornar. Nina está convencida de que eu enlouqueci.
Aproveito e compro água de coco na barraca da feira que não gostamos muito, mas é confortavelmente aqui-do-lado. Muitas das minhas escolhas envolvem um complexo algoritmo do quanto preciso andar, o preço que custa, se a Nina pode entrar e se eu preciso esperar.
Das encruzilhadas que a vida me joga, nada me angustia mais do que a espera. Na linha do front eu sou aquela que toma decisão rápida. Não disse a certa. Eu erro muito, mas erro rápido e com convicção.
Cansei de mudar de restaurante por causa de espera. Ou de desistir de uma compra por causa da fila no caixa. Esse negócio do marketing de aumentar a procura para valorizar o sei lá o quê, comigo não funciona. Eu simplesmente não ligo para o hype.
Tento levar a vida como água, procurando (e aumentando) os sulcos no caminho.
Caminho pensando em Antonio Machado.
Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace el camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar.
Vi na internet uma dedicatória mais ou menos assim: aos meus pais, que fizeram esse caminho no sol para que eu pudesse fazer na sombra. Os meus, certamente, caminharam sobre a lava.
Lembro de Raul Seixas: o caminho do reto é o torto. Não acho que eu tenha endireitado nada na vida. Muito pelo contrário.
Aprendi, entretanto, a fazer o caminho ao andar. Essa lição, pelo menos, absorvi.