As donas do salão

A alegria de encontrar um bom salão para fazer as unhas e a briga canina que, de repente, leva tudo novamente à estaca zero
Ilustração: Eduardo Mussi
24/04/2025

Após o divórcio, a dona do salão onde eu faço unha passou a levar sua cachorrinha idosa para trabalhar. A cachorrinha tem 13 anos humanos. A dona do salão deve ter minha idade, uns 50-e-alguma-coisa. A senhorinha quadrúpede, nem preciso falar, é o xodó da senhorinha humana. A canina já tem um pouco de artrose e a humana, todas as mazelas características da idade e do trabalho que inclui finais de semana.

Nessa semana, estavam com roupas combinando. Foram o assunto das mulheres ali presentes.

Não é incomum que sejam sempre as mesmas clientes, já que marcamos à nossa conveniência, pelo horário disponível. Normalmente temos os mesmos horários toda semana, então nos encontramos na manicure.

Não sei nada que realmente importe sobre essas mulheres. Não sei em quem votam, no que acreditam, o que leem, o que assistem, o que ouvem. Para falar a verdade, da maioria não sei nem mesmo o nome.

Sei que a que vai sempre com alguma estampa animal gosta de esmalte vermelho. Sei que a magricela que mais parece um talharim usa as unhas pretas. A loura com muito perfume experimenta uma cor diferente a cada semana, é divertidíssimo. Eu até sentaria do seu lado não fosse a vontade de vomitar com a névoa odor floral que a circunda. Tem uma moça quieta, muito simpática, que usa um laranja horroroso. Quem tem que gostar é ela, naturalmente. Suas unhas, suas regras. E, finalmente, a que não desliga o celular usa uma cor meio marrom, meio areia, meio bege, meio nada. Não sei que raio de cor é aquela.

Eu tenho fama de ser sem graça. Uso, na maioria das vezes, esmalte branco transparente. Em uma tentativa de quebrar essa má reputação, andei experimentando com uns azuis, uns cinzas, umas coisas assim. Já voltei para o branco. Talvez eu seja sem graça mesmo. Tudo bem. Já fui chamada de coisa pior.

Só me entristece um pouco não poder mais levar a Nina para o salão. Nina odeia a senhorinha quadrúpede. Diz que é metida só porque é a dona. Na verdade, o problema é que ela tem uma caminha que não quer dividir. Já tentei explicar que é assim mesmo, mas Nina não me deu ouvidos.

Demorei quase 17 anos para achar um salão que eu gostasse aqui em São Paulo. Nina dançou no passeio.

Volto para casa cheia de remorsos e cheirando à outra. E olha que nem sou homem hétero em crise de meia-idade.

Nina e eu vamos compensar no parque. Essa contabilidade só funciona na minha cabeça, eu sei.

Guia, saquinho plástico, garrafinha de água, headphones, playlist, agasalho, guarda-chuva pois São Paulo, carteira, chave, celular, bolinha, própolis pois professora, repelente de inseto nas pernas pois parque, pronto.

Chegamos no parque. Quem é o nosso primeiro encontro? Isso mesmo, a senhorinha que Nina odeia e quase mata. Partiu para cima mesmo. Dentes, unhas. As unhas foram um recado, tenho certeza.

Envergonhadíssima, arrasto Nina para fora do parque.

Já sei que agora serão mais 17 anos até encontrar outro salão. Inferno.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho