À esquerda da tumbérgia

Aos poucos a casa se transforma num pequeno horto; já a visita a lojas de materiais de construção é a certeza de descobertas “indispensáveis”
Ilustração: Thiago Lucas
23/11/2023

Plantas domésticas são um esquema de pirâmide. Você compra um vasinho. Uma coisa pequena. Uma minissuculenta. Um temperinho. Tomate. Morango. Uma trepadeira aqui para a janela. Será que consigo cultivar banana no apartamento? De repente você sabe nomes como tumbérgia e começa a roubar só um galhinho do vizinho para enraizar e fazer muda. Quando vê, virou uma cracuda das plantas. Só mais um potinho. Esse eu não tenho. Esse eu tenho, mas não dessa cor. Eu tenho desse e dessa cor mas não desse tamanho.

O perigo está quando você começa a reconhecer as plantas diferentes. A gente perde a noção de ridículo quando começa a usar o nome correto das plantas como indicador de localização. Ali, do lado esquerdo da helicônia. Passando o guaimbê, vire à esquerda. Atrás da peperômia. Pertinho do pacová. E a sua companhia ali, com cara de paisagem (essa foi fácil demais, desculpem).

A japonesa da vendinha do lado de casa rouba descaradamente. Uma mudinha de mirra custa 5 reais. Compro mesmo assim porque sou otária.

Nina contribui com o vício. Algumas plantas provocam nela um ódio profundo. São algumas em específico que a ofendem. Outras são bem educadas. Ela então destrói as que alcança. É para fazer espaço para novas, estou certa disso. Um amor de cachorra.

Adoro essas lojas de bricabraque e de construção. Na última, descubro que torneiras não são hidráulicas e que caixas de papelão são ferragens. Certamente algum gênio do marketing está por trás da incapacidade organizacional. Deve ser algo como o famoso case da cerveja do lado da fralda. Alguém está estudando a localização da caixa de papelão nesse exato instante. Aceito, cada um segue a sua vocação, tudo bem. Eu, por outro lado, ainda me irrito com a falta de lógica.

Agora a loja tem uns carrinhos de compra com um porta-cachorros na frente. Achei horrível. Parece uma jaula, uma prisão. E o cachorro lá sem entender que crime cometeu. Não foi sequer acusado de algo e já está na cadeia. Sem um julgamento justo, sem nada. Nina não foi dessa vez e acho que não irá mais. Primeiro que ela nem cabe naquela coisa minúscula, segundo que não vou sentenciar a minha princesinha a essa humilhação.

Fui comprar uma coisa e voltei com oito. Outro esquema de pirâmide. O meu cúmplice favorito para esse programa de índio é meu pai. Ele, que foi só fazer companhia, também sucumbiu e voltou com umas coisinhas. Chego em casa e, claro, percebo que esqueci a cola da cortiça. Googlo qual melhor cola usar. De repente estou aprendendo a trocar um sifão. Não canso de me impressionar com o poder de distraimento da internet.

Nina me olha com censura. Menciona Jardineiros Amadores Anônimos. Eu não ligo para a provocação. Largo tudo de qualquer jeito e saio com ela. Chove. Eu não sou feita de açúcar, mas fico preocupada de ela derreter na chuva.

Carolina Vigna

É escritora, ilustradora e professora. Mais em http://carolina.vigna.com.br/

Rascunho