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Quando a figura do humorista se torna maior que o próprio humor, ele passa a ser um influenciador, uma celebridade ou um guru sem graça de autoajuda
Ilustração: Marcelo Frazão
22/01/2025

O humorista contemporâneo enfrenta um impasse parecido com pegadinha de programa dominical: para fazer humor, ele precisa ser notado; mas, ao ser notado, ele deixa de fazer humor de verdade. É como se o palhaço, ao perceber que a câmera está ligada, parasse de fazer patuscada e começasse a dar conselhos financeiros.

O problema é que, hoje em dia, o trocista precisa existir nas redes sociais, participar de reality shows, se engajar em polêmicas e, eventualmente, fazer um podcast onde discute as agruras da vida bancando o filósofo estoico de boteco.

Tempos atrás, o humorista era um sujeito de bastidor, aquele que lançava as piadas para o mundo e se escondia atrás delas. O público se divertia, refletia, e ele continuava sua vida, talvez até conseguindo comprar pão sem ser reconhecido. Hoje, o pão só sai da padaria se ele fizer um story agradecendo ao padeiro e marcando todos os patrocinadores envolvidos.

A questão é que, ao precisar ser visto, o satírico acaba virando uma persona pública que deve ser levada a sério — e não há nada mais perigoso para a comédia do que a seriedade. O humor é a arte da inconsequência, da crítica implacável, do paradoxo que faz pensar. Mas, quando a figura do humorista se torna maior que o humor que ele cria, ele passa a ser um influenciador, uma celebridade ou, na pior das hipóteses, um guru de autoajuda sem graça nenhuma.

Quem nunca viu um sarcástico que começou soltando piadas afiadíssimas e terminou vendendo cursos de “como se tornar engraçado em 10 passos”? Ao mesmo tempo, para se manter relevante, o piadista de hoje precisa estar em todas as plataformas — YouTube, Instagram, TikTok, Twitter, podcast e, se bobear, até palestrando em eventos de empreendedorismo. Com isso, o pândego até sobrevive bem, mas o humor vira um produto diluído, algo que precisa se harmonizar com os algoritmos e não com o anseio do público.

Antigamente, o humor podia ser ácido e irresponsável porque o humorista não era uma marca. Ele podia errar, sumir e voltar, fazer experimentações. Agora, qualquer escorregão vira cancelamento e, em vez de um simples pedido de desculpas, surge uma thread explicando o contexto histórico e sociopolítico da piada, sempre com aquele argumento sugerido pelos advogados de “animus jocandi”, com o fito de descaracterizar crimes contra a honra e outras injúrias. O humorista, antes um provocador, virou esse diplomata.

Por fim, todo caçoador está preso a mais um dilema existencial: se quiser fazer humor puro, precisa renunciar à fama. Se quiser a fama, precisa ser moderado, postar selfies e promover lives estratégicas. Enquanto isso, seguimos esperando o dia em que eles possam voltar a ser apenas humoristas, sem necessidade de serem palestrantes, garotos-propaganda ou donos de canal no YouTube.

Ser engraçado ou ser monetizado, eis a questão.

Carlos Castelo

É jornalista e escrevinhador. Cronista do Estadão, O Dia, e sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo. É autor de 18 livros.

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