O horror, o horror

A decisão de, em relação ao cinema, preferir mais o entretenimento à exegese estética, com um cardápio variado de filmes de terror
Ilustração: FP Rodrigues
21/08/2024

O antropólogo Claude Lévi-Strauss, em O pensamento selvagem, observou que os filmes de western, embora pareçam apenas entretenimento, refletem e recriam estruturas sociais e culturais profundas. Os filmes de cowboys, com narrativas de confronto entre “o bem” e “o mal”, e representações de fronteiras e conflitos, podem revelar padrões universais de pensamento.

Ao ler a obra do estruturalista francês, tive um pensamento igualmente agreste: os filmes de terror não seguiriam a mesma lógica? Será que o que vale para Anthony Steffen também não se aplicaria a Zé do Caixão?

Na adolescência fui um adicto em filmes da britânica Hammer Film Productions. Christopher Lee e Peter Cushing, respectivamente como Drácula e Van Helsing, faziam a alegria de minhas madrugadas diante da TV. The curse of Frankenstein, Horror of Dracula e The mummy formaram uma trilogia inigualável de horror gótico.

Houve um tempo em que mergulhei nos filmes-cabeça. Na época da faculdade, não passava um fim de semana sem assistir a algo da programação do Cine Bijou, na praça Roosevelt. Vi naquelas salinhas Corações e mentes, Rei Lear, A dança dos vampiros, 1900, Profissão: repórter e outros clássicos. Mantive o gosto pelo cinema de arte por bastante tempo. Certa vez, resolvi assumir que, em relação à sétima arte, preferia mais o entretenimento à exegese estética. Quase fui linchado pelos coleguinhas uspianos. A partir dali, radicalizei: comecei a ver todos os filmes de terror. O gosto pelo experimentalismo e outras mumunhas deixei para a literatura, a música e as artes plásticas.

Admito que bem mais de 90% dos filmes de horror são lixo não reciclado. Especialmente aqueles com zumbis, monstros purulentos, ETs selváticos e outros seres com verossimilhança zero. Abomino esse tipo de longa de terror. Claro que são produtos feitos apenas para faturar e não trazem nenhuma ideia original ou burilamento. O duro mesmo é produzir longas de suspense baseados em fatos do cotidiano. Isso só os mestres conseguem.

Ao me referir a produções que metem medo a partir de situações cotidianas, é imprescindível listar O Iluminado, O inquilino, Louca obsessão e Cisne negro.

Acompanho o folk horror com interesse. Explorar o medo derivado das tradições e crenças rurais e pagãs é estimulante como diversão. Não à toa, talvez meu filme predileto seja O homem de palha. Há também outros assistíveis como A bruxa e Midsommar.

Como os filmes de western, muitos devem achar os de terror coisa de adolescente espinhento. Talvez eles realmente não reflitam ou recriem estruturas sociais e culturais profundas, como apregoava Lévi-Strauss sobre as atuações de John Wayne nas pradarias do Velho Oeste. Por outro lado, depois de assistir a um bom O exorcista, você olha em volta e acha o Brasil uma Pasárgada.

Carlos Castelo

É jornalista e escrevinhador. Cronista do Estadão, O Dia, e sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo. É autor de 18 livros.

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