O primeiro livro de horror psicológico escrito por uma autora latino-americana que li foi Cometerra, de Dolores Reyes. Fiquei fascinado pela habilidade com que ela misturava o fantástico ao real. Em seguida, descobri Samanta Schweblin, autora de contos premiados como os de Pássaros na boca. Sua obra se destaca ao explorar o insólito, mantendo viva a tradição do realismo fantástico de mestres como Bioy Casares e Cortázar. Em suas histórias, o cotidiano torna-se palco de situações grotescas e surreais, como uma menina que se alimenta de pássaros vivos.
Aos poucos, fui me afeiçoando a esse gênero de escrita, seguindo com a também argentina Mariana Enriquez. Li Nossa parte de noite, cuja trama se desenrola em meio à ditadura militar argentina. Um pai e seu filho, Gaspar, viajam pelo país em direção às Cataratas do Iguaçu. O clima de tensão é constante, com soldados armados por toda parte, enquanto o pai tenta proteger o filho. Gaspar foi escolhido para ser médium de uma sociedade secreta, a Ordem, que pratica rituais em busca da vida eterna.
Mais tarde, tomei contato com a obra de Mónica Ojeda através de Mandíbula. Nesse romance hipnótico, a equatoriana cria um universo feminino monstruoso, onde desejo e perigo coexistem. Uma estudante rebelde, fascinada por histórias de terror, acorda amarrada em uma cabana, sequestrada por sua própria professora de literatura, Miss Clara, cuja vida é marcada por traumas e obsessões. O sequestro revela uma teia complexa de violência, perversão e laços distorcidos entre professoras e alunas, mães e filhas.
Enquanto imergia nesses contos opressivos de linhagem hispânica, uma pergunta me intrigava: além de Lygia Fagundes Telles e Júlia Lopes de Almeida, por que as brasileiras não aparecem com maior destaque nesse panorama? Mal tive tempo de ponderar e logo me deparei com O dia escuro – Contos inquietantes de autoras brasileiras, organizado por Fabiane Secches e Socorro Acioli, que trouxe 20 autoras nacionais, além de um conto da própria Lygia, oferecendo o crème de la crème da narrativa aterradora.
“Será que é possível escrever um conto de terror quando a realidade já parece um?”, pergunta a narradora de Carola Saavedra em um dos textos reunidos nessa coletânea de histórias sombrias. Penso que sim, e o resultado ficou à altura do melhor do terror latino-americano. Nessa obra, o gênero ganha uma nova perspectiva, explorando medos contemporâneos com um tempero local. O dia escuro reúne histórias que vão desde uma mulher que encontra um dedo na praia até uma criança que brinca com uma amiga já morta. Os temas variam do sobrenatural à angústia do cotidiano, mergulhando o leitor no sombrio através de olhares femininos diversos.
Anote estes nomes: Amara Moira, Ana Rüsche, Andréa del Fuego, Carola Saavedra, Cidinha da Silva, Dia Nobre, Eliana Alves Cruz, Fabiane Guimarães, Flavia Stefani, Jarid Arraes, Laís Romero, Marcela Dantés, Maria Valéria Rezende, Mariana Salomão Carrara, Micheliny Verunschk, Natalia Borges Polesso, Natércia Pontes, Socorro Acioli, Trudruá Dorrico. Elas elevaram — e muito — o sarrafo da narrativa fantástica no Brasil.