Dabliuceh, Baruq, Orbis Tertius

Entre filosofias sanitárias e epopeias em papel higiênico, Dabliuceh surge como a mais insólita das civilizações
Ilustração: Italo Amatti
24/09/2025

Em Baruq, os cronistas raramente coincidem quanto à localização de Dabliuceh. Alguns o situam entre as margens do rio Fossalis e os desertos de Apópatos; outros, mais ousados, afirmam que não é um território, mas uma hipótese, uma espécie de alucinação coletiva.

O que parece certo é que, em Dabliuceh, os mictórios são de ouro maciço e as privadas resplandecem com incrustações de diamantes, de modo que o ato mais prosaico se converte em liturgia mineral.

O filósofo Arzemio de Baruq (século 12?) sustentava que a existência não era mais do que um lento escoar. Sua máxima — esse est evacuari — sobrevive em um pergaminho conservado na Biblioteca de Calbérnia. A corrente filosófica daí derivada, chamada descarguismo, considera o ser como fluxo e o não-ser como obstrução.

Segundo uma tradição oral recolhida pelo meu colega J. L. Borges, em 1972, houve uma seita de monges encanadores que tentaram reproduzir, em escala cósmica, o som da Descarga Universal. Acreditavam que a galáxia inteira, reduzida a redemoinhos concêntricos, regressaria ao seio da divindade primordial.

A aritmética dabliucehana é inseparável da hidráulica. Os números são designados por pressões e os cálculos, por equivalências de fluxo. Um manuscrito de difícil datação fala do Teorema da Descarga Primeva, segundo o qual as cifras ímpares correspondem às águas discretas e as pares, a vazões estrondosas.

Há também registros de uma álgebra baseada na curvatura dos canos, dutos e cotovelos: cada equação é um labirinto em que a solução não se escreve, mas se escoa.

Enquanto a geometria euclidiana distingue linhas retas e curvas, a dabliucehana apenas admite o círculo. A espiral da água em sua queda é tida como a figura inaugural. O estudioso e bombeiro Américo Tarsio propôs, com rigor quase convincente, que a forma do universo não é esférica, como afirmava a cosmologia medieval, mas orificial: um canal de louça sanitária sem começo, meio nem fim.

A literatura de Dabliuceh não se conserva em livros, mas em rolos brancos de papel. Essa circunstância explica a natureza fragmentária e amolecida de suas obras. A epopeia O torvelinho dos reis sobrevive apenas em trechos dispersos, pois o suporte — ao contrário do mármore ou do pergaminho — foi concebido para desaparecer. A crítica, paradoxalmente, vê nesse caráter efêmero a maior prova de eternidade.

O amor em Dabliuceh é concebido como uma troca de substâncias destinadas à dispersão. O maior gesto de devoção não é entregar flores, mas ceder ao outro a última folha. Para eles, a cópula perfeita se consuma quando duas descargas ressoam em uníssono.

Em termos morais, não se pergunta “o que é o bem?”, mas “o que deve ser removido?”. A virtude é sinônimo de limpeza, e o pecado, de retenção.

Apêndice crítico-bibliográfico

A tradição textual sobre Dabliuceh é dispersa e quase sempre contraditória. Seguem, para o leitor diligente, algumas das principais referências (todas compiladas por J. L. Borges):

1. Arzemio de Baruq, De Evacuatione Universali (manuscrito atribuído ao século 12, hoje dado como perdido; fragmentos copiados por P. N. Tzair em Commentarii Hydraulicorum, Lisboa, 1633).

2. Rüdiger Fels, Die Hydraulischen Mönche von Dabliuceh (Leipzig: Verlag der Obskuritäten, 1894). Este estudo, embora escrito em tom etnográfico, revela-se frequentemente apócrifo: nota-se que as supostas testemunhas eram todos funcionários de banheiros públicos vienenses.

3. Américo Tarsio, Cosmologia do Orifício (Quito: Tipografia Sanitaria, 1731). Tarsio defende que a forma do universo é vasiforme; alguns críticos sugerem que sua obsessão por formas orificiais deriva de uma infância traumática em conventos.

4. Biblioteca de Calbérnia, Rolo 47-B: pequeno fragmento em papel higiênico, contendo a máxima esse est evacuari. Muitos filólogos acreditam que se trata de uma interpolação tardia feita por um visitante com pressa.

Carlos Castelo

É jornalista e escrevinhador. Cronista do Estadão, O Dia, e sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo. É autor de 18 livros.

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