Há viagens que marcam a vida de uma pessoa. Outras marcam a lombar. Um percurso de ônibus entre São Paulo e Floriano, no Piauí, pertence às duas categorias. E se, ao fim dessa epopeia rodoviária, você assistir a Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues, e não sentir uma catarse, você só pode ser um robô.
Foi o que aconteceu comigo no mês de estreia do filme do já saudoso Cacá Diegues, em 1980. Lembro-me de sair do cinema ainda impregnado pelo calor da estrada, sentindo que as imagens na tela vibravam como a trepidação daquele coletivo a caminho de Floriano.
Confesso que as primeiras horas do longo percurso até pareciam promissoras. Mas as boas maneiras se dissipam proporcionalmente ao tempo do itinerário e à temperatura do ar-condicionado — que, aliás, não era um item de série naquele coletivo. Janelas abertas e ventiladores improvisados com revistas velhas faziam parte da paisagem interna, assim como os aromas variados de sanduíches caseiros e marmitas abertas em momentos inoportunos.
Por volta da 15ª hora, o ônibus virou uma comunidade autossuficiente. Pessoas trocavam lanches, histórias e diagnósticos médicos. O senhor da poltrona 34 tinha certeza de que seu joelho doía por causa do tempo seco. A moça da frente revelava uma técnica infalível para evitar enjoos comendo goiaba. Uma senhora distribuiu doce de buriti a quem quisesse, e um grupo até improvisou um bingo para passar o tempo.
E quando você pensa que já viu tudo, finalmente chega ao Piauí. Após uma experiência dessas, só há uma coisa lógica a fazer: ver Bye Bye Brasil.
Esse longa, depois de uma viagem assim, não é apenas um filme. É quase um documentário da sua própria experiência existencial. De repente, você não está apenas assistindo à Caravana Rolidei. Você é a Caravana Rolidei. Dasdô e Lorde Cigano poderiam estar na poltrona ao seu lado naquele Itapemirim, oferecendo paçoca e contando histórias sobre feiras nordestinas. Salomé, a dançarina, talvez fosse aquela moça de vestido floral que subiu em Ilhéus e desceu dois estados depois, ainda sorrindo misteriosamente. E Ciço, o sanfoneiro, podia ser aquele cara que surgiu do nada na parada de Belo Jardim, puxou conversa e nunca mais foi visto.
Ao acompanhar as peripécias da Caravana, eu me reconhecia no olhar das personagens e ria das minhas próprias desventuras rodoviárias. Porque poucos filmes fazem a gente querer ser parte da trama como Bye Bye Brasil.
Até sempre, Cacá Diegues!