Faltavam dez minutos para a meia-noite quando o dia 31 de dezembro decidiu que não ia acabar.
Simplesmente plantou os pés no calendário e cruzou os braços.
O 1º de janeiro, já de terno branco e champanhe na mão, bateu educadamente na porta do tempo:
— Com licença, é minha vez.
— Não.
— Como assim “não”?
— Foi o que você ouviu. Não vou sair fora.
O 1º de janeiro olhou para o relógio, nervoso. Faltavam oito minutos.
— Mas é tradição! Você sai, eu entro, as pessoas se abraçam, choram, prometem fazer academia…
— Que se dane a tradição. Eu trabalho o ano inteiro para quê? Para ser o dia em que todo mundo fica melancólico lembrando do que não fez? Enquanto você, senhor Primeiro de Janeiro, aparece todo pimpão como se fosse o salvador da pátria?
— Eu não pedi para ser feriado!
— Ah, não? Você é o dia das promessas! O recomeço! Todo mundo te ama!
Faltavam cinco minutos.
Lá embaixo, na Terra, as pessoas começaram a perceber que algo estava muito errado. Os relógios travaram. As contagens regressivas pararam no “5… 4… 4… 4…”.
O 1º de janeiro tentou dialogar:
— Olha, a gente pode conversar. Que tal você ficar mais umas horinhas?
— Umas horinhas? Eu quero o ano inteiro!
— Isso é impossível! O calendário tem regras!
— Regras feitas por quem? Por aquele papa Gregório? Que nem conseguiu acertar o ano bissexto de primeira?
Foi quando apareceu o dia 29 de fevereiro, que estava de folga.
— Calma, gente. Vamos resolver isso.
— Você nem existe o ano todo! — gritou o 31.
— Exatamente por isso eu sei negociar.
Três minutos.
Lá embaixo, o pessoal das tevês e rádios entrou em pânico. Como fazer a virada sem virada?
O 29 de fevereiro propôs:
— E se a gente criasse um dia 32 de dezembro?
— ISSO NÃO EXISTE! — gritaram os outros dois juntos.
— Em tese, o 31 também não quer mais existir do jeito que existe, então…
Dois minutos.
O 31 de dezembro suspirou:
— Eu só queria um pouco de reconhecimento, sabe? Ninguém me valoriza. Sou só o último dia. Ninguém fala “que dia 31 maravilhoso!”.
O 1º de janeiro pensou um pouco:
— Olha, eu te entendo. Mas veja pelo lado bom: você é o dia da expectativa. Sem você, eu não sou nada.
— Mesmo?
— Eu sou só a consequência. Você que é causa.
O 31 de dezembro ficou pensativo.
Um minuto.
— Tá bom. Eu vou me embora. Mas só se você prometer uma coisa.
— O quê?
— Que, se você não for melhor, pelo menos seja mais curto.
O 1º de janeiro riu:
— Cara, isso nem depende de mim.
— Eu sei. Mas promete assim mesmo.
— Prometo.
E, às 23h59min59s, finalmente, o 31 saiu de cena.
Mas antes olhou para trás e murmurou:
— Ano que vem eu volto. Mas vou querer aumento e 14º salário.