24 aforismos para celebrar um aniversário

Máximas bem-humoradas e irônicas sobre o meio literário, os escritores e a literatura
Ilustração: FP Rodrigues
17/04/2024

A literatura é a pergunta sem a resposta.
Roland Barthes

24 anos é muito tempo. Para um jornal literário de qualidade, no Brasil, é quase como sobreviver a uma longa temporada em um campo de concentração.

Por isso, para honrar devidamente o Rascunho em sua heroica jornada de duas dúzias de anos, seria necessário escrever aqui um enorme panegírico. Como alguns talvez saibam, sou um autor de fôlego curto, adepto das formas breves. Assim sendo, nunca conseguiria louvá-lo como deveria ser feito.

Daí veio a ideia de exaltá-lo por meio de aforismos, essas reflexões que, com a graça da brevidade, conseguem ser uma biografia em uma linha. Somente a filosofia cristalizada das máximas pode alcançar tal resultado.

Espero, então, que minhas flechas, além de celebrarem esta data especial, acertem seus respectivos alvos.

1) Nunca termino um livro, é o livro que me termina.

2) Não entro em clube de leitura que me aceita como sócio.

3) Ninguém vive apenas de cultura, mas muitos não sobrevivem sem a barbárie.

4) Leu dois quilos de livros e, orgulhoso, postou a montanha no Instagram. Mais um idiota de peso.

5) O ambiente literário não é para pessoas sensíveis.

6) Investir em um bom livro é como traficar drogas: no final, você recebe dezenas de vezes o valor investido.

7) Já percebeu que o pai de todo grande escritor foi um pobre alfaiate?

8) Surrealismo e teatro do absurdo não pegaram no Brasil, a realidade supera.

9) Quando se sentava na frente do computador, era uma máquina de escrever.

10) Quem precisa fazer sentido é o pelotão do Exército, não o escritor.

11) A tortura medieval dos nossos dias é o sarau poético.

12) William Shakespeare. Um dia, não chegarei lá.

13) Concluí meu novo romance e enviei para a editora. Agora, é apenas uma questão de tempo até alcançar o anonimato.

14) Ser escritor é mentir para o próprio diário.

15) O primeiro leitor dos meus livros sou eu mesmo. Geralmente, não há um segundo.

16) Quixotesco mesmo é ler Dom Quixote, em PDF, em uma tela de computador.

17) Na minha época, para virar escritor era preciso ser mestre em imaginação. Agora, é preciso ser mestre em redes sociais.

18) Para o escritor idoso, a micção é mais importante do que a ficção.

19) A trema sofre de mal de Parkinson.

20) No princípio, era o verso. Depois veio o concretismo.

21) Quando não há nada a ser escrito, é quando se deve escrever.

22) Escrevo ouvindo música. Não entendo por que meus textos soam tão mal para a crítica.

23) Escritor não é aquele que lida bem com as palavras, mas o que vive em desacordo com elas.

24) Se o editor é o parteiro dos novos autores, nunca houve tantos abortos como agora.

Carlos Castelo

É jornalista e escrevinhador. Cronista do Estadão, O Dia, e sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo. É autor de 18 livros.

Rascunho