Faço ginástica às quintas. A turma é basicamente a mesma desde a primeira formação. Pessoas entram e saem a cada novo período, mas o grupo dos oito persiste envelhecendo junto. Um verdadeiro caso de amor coletivo.
Nina parava seu carro vermelho, dois toques curtos na buzina e seguíamos juntas. A primeira vez que Nina não apareceu, cheguei atrasada e perdi metade da atividade. Precisou levar a mãe ao hospital, foi o que disse. Na segunda vez, alegou uma “dor de cabeça dos diabos”, e eu comecei a perceber que as justificativas não se encaixavam com o antes e o depois.
— Quero te falar uma coisa, mas não posso contar aqui — disse no trajeto, praticamente sussurrando.
— Estamos sozinhas. Pode falar, Nina.
— Não, Júlia, depois a gente conversa.
— Certo, como quiser.
— Amiga — continuou quando já estávamos afastadas do carro vermelho —, é que o Fernando, meu marido, foi demitido das Casas Bahia!
— Sinto muito, Nina, mas o que isso tem de confidencial?
— Você não está entendendo, querida. Estamos sendo vigiados!
— Como assim!? Vigiados por quem?
— Pelo governo, Júlia!
— Que governo, Nina!?
— O governo dos Estados Unidos!
— Você acha mesmo que o governo dos Estados Unidos está preocupado com as Casas Bahia e a sua família?
— Amiga, você não sabe, já faz tempo que estou desconfiada!
— Desconfiada do quê?
— Que colocaram escuta no meu carro!
— Como assim, escuta para ouvir o quê?
— Você nunca ouviu falar no FBI?
— Nina, fica tranquila. Ninguém está interessado na sua, na minha ou na vida do seu marido. Relaxa!
Na semana seguinte, ao entrar no carro vermelho, me espantei com a falta do banco traseiro.
— O que aconteceu com o banco?
— Melhor a gente falar disso depois — sussurrou.
No intervalo da aula:
— É que mandei o carro no tapeceiro.
— Mas o banco estava praticamente novo, não?
— Sim, mas tenho que ter certeza de que não tem nenhuma escuta plantada nele, sabe?
— Ah, querida, de novo com essa desconfiança?
— Na forração do carro eles não encontraram nada. Preciso saber, Júlia!
Àquela altura, não tinha mais dúvidas de que a colega precisava de ajuda. Recomendei especialista, terapeuta e quase exigi que Nina marcasse consulta e fizesse o tratamento. O resultado compensou e manteve aquele assunto afastado das conversas das quintas por algum tempo.
Nina trocou de carro, o marido conseguiu um novo emprego, até que, numa quinta, meses depois, quando entrei no novo carro de Nina, não acreditei no que vi: o forro do teto havia sido retirado por completo.