Traça, cupim, não sei. Pelo que notei, os bichos chegaram voando pela janela, aterrissaram ao perder as asas meio translúcidas, ou as perderam ao pousar, sei lá, e daí começaram a devorar tudo o que viram pela frente: o assento do pufe preto, com capa e tudo; um livro esquecido em cima desse pufe, com capa e tudo; um jornal em cima do sofá, e, ai, meu sofá; minhas roupas, com preferência, notei, para certo tipo de tecido. Contabilizei treze buracos em um vestido colorido, dois (um túnel) em um vestido jeans e um buracão em uma camiseta de malha, bem em cima da letra d. Bem que poderia ter sido em cima do pingo do i, o que me geraria menos transtorno.
Os bichos são ferozes, mas fazem silêncio, de modo que demorei a notar que comiam minhas coisas. Um dia, levantei o livro e dei com um túnel cavado em todas as folhas. E não era um livro fino. Os bichos entraram pela capa e saíram na contracapa, sem muito rodeio. Lá do outro lado, embaixo do volume, toparam com uma capa vermelha de um pufe já antigo. Comeram também. Alojaram-se, acho, na espuma gasta do móvel, e não percebi se zanzaram lá por dentro, se acharam algum obstáculo páreo para eles ou se ainda pretendiam chegar aos pés do pufe. Parece que não. Ou interrompi antes. Ou, quem sabe, se engasgaram ou intoxicaram com a espuma velha. Tomada de fúria anticupim, meti para dentro dos buracos um inseticida específico, que se inocula por meio de uma espécie de agulha. Uma beleza. Cheiro forte, químico tão raivoso quanto os cupins. Acho que a movimentação acabou, a festa cessou.
Já as roupas… só notei quando vesti uma delas e estranhei. Poá? Não. Furos. Furos, furinhos, furões. Como um dos vestidos é bem colorido, pensei que talvez isso passasse batido, mas não. Basta que eu saiba e está tudo acabado. Decidi imaginar uma solução para a destruição. Perto desse vestido, o mais atacado (e os bichos têm bom gosto), havia outro, o jeans, seminovo, com um buraco alargado, provavelmente porque quem o comeu resolveu zanzar na horizontal, e não na vertical. Mais ali ao lado, minha camiseta nova, branca, com um buraco em cima do peito, perto das letras de uma frase tão interessante. Bem, solução há de existir.
Vídeo para tudo
Corri para onde? O YouTube, claro. Encontrei centenas de costureiras, menos e mais profissionais, tratando de furos de traça e cupim em roupas, ensinando a cobrir, cerzir, fechar, dar ponto, avaliar se tem ou não jeito. Eu precisava de uma dessas mulheres. Eu mesma não tinha confiança suficiente em minhas habilidades com linha e agulha. Parênteses para minha formação escolar e familiar: sou do tempo em que tínhamos na escola uma disciplina que ensinava a cozinhar e a costurar. Aprendi lá a pregar botões e outros macetes, mas não só. Minha mãe também faz o estilo “formadora” e me ensinou, melhor do que a escola, a resolver uma série de encrenquinhas com roupas e linhas. No meu quarto, em uma prateleira, tenho lá minha caixinha de costura, dois andares, linhas de toda cor, botões de todo jeito e tamanho, agulhas, fita métrica, tesourinha. E, sim, os meninos também participavam.
Olhei, olhei, não achei que fosse capaz. O melhor jeito de fazer a restauração das minhas roupas era cerzi-las em máquina de costura, mas seria preciso encontrar alguém que soubesse fazer, a fim de que a emenda não ficasse pior do que o soneto. Foi aí que me veio a imagem.
De passagem
Sabe aquela rua em que você sempre passa, mas nunca para? Sempre estaca o carro quando o sinal fecha, fica lá olhando ao redor, com medo de assalto, mas enquanto não é assaltada, você espia o comércio lateral. Numa dessas ruas em que passo sempre, lembrei de uma fachada de casa com uma placa de costureira. É lá. Parecia muito experiente e profissional, atendia em uma loja embaixo da residência, num bairro comum. Foi o dia de, pela primeira vez, estacionar ali.
Bati a campainha diante da porta de vidro. De fora eu podia ver tudo lá dentro: o balcão, duas máquinas de costura, dezenas de nichos cheios de tecidos, sacolas e roupas, além do lindo cenário de bobinas de linhas de todas as cores. A costureira, uma senhora bem para lá dos sessenta, me viu, fez sinal para que eu entrasse, mas não foi simpática. Expliquei, já meio desanimada, meu problema com as roupas e os cupins. Ela fazia cara de dúvida, tocava meus vestidos com certa má vontade, avaliava se valeria a pena. Parece que cerzir é chato, trabalhoso e… barato. Senti que a costureira não estava a fim de resolver meu problema. Fez certo esforço para que eu desistisse, mas resolvi persistir, enquanto ela não me dizia um não com clareza. E ela não disse. Minha sacolinha com meu problema esburacado foi parar lá na pilha de sacolinhas com outros problemas, em uma das prateleiras dela. E continua lá. Nem conto para vocês há quanto tempo.
Dá cá
Bem, antes de partir e deixar lá minhas roupas, sem data para buscar, retirei da sacola um dos itens, a camiseta branca. Eu tinha mais apego por ela. Resolvi eu mesma dar solução, pensando que talvez precisasse apenas pensar mais um pouco. Mostrei o buraco em cima das letras e a costureira perguntou se era só esse. Sim, só. Ela disse: dá um ponto, uai. Mas ponto enruga. É, fica feio. Daí ela veio com a tal emenda pior do que o soneto: vamos pregar uma etiqueta aí, e foi abrindo uma gavetinha onde guardava toda sorte de etiquetas velhas, de marcas X e Y, querendo pregar aquilo bem em cima do meu peito. Não! Se tem uma coisa de que eu não gosto é de etiqueta. Compro um item, chego em casa e arranco as marcas. Imagina agora dar uma solução dessas? Deixa para lá. Eu mesma devo ser capaz de arranjar um jeito com mais engenhosidade e um bom resultado. A costureira, claramente, só queria mesmo se livrar de mim e dos meus cupins.
Uns dias depois, resolvi razoavelmente bem o problema da camiseta. Olhando lá minha caixinha de costura e uns itens guardados, feito fazem os mecânicos em suas oficinas, encontrei uma solução simpática, colorida e divertida. Não conto. Só sei que ganhei know-how como tapa-buracos, mesmo sem saber cerzir. Tá na hora de ir lá resgatar meus vestidos.