Tirem as crianças da sala

Com humor e afeto, os aprendizados cotidianos com filho e amigos — entre lavadoras, mapas e uma tal Serra do Rola-Moça
Ilustração: Thiago Lucas
05/08/2025

Já vou avisando (porque quem avisa talvez seja amigo): tirem as crianças da sala. Esta crônica contém ironia, mas principalmente palavras impróprias para pessoas sensíveis. As hipócritas também não curtirão. Fica aí minha classificação indicativa para maiores de 18 anos, embora a turma dos 15 já seja expert em palavrões.

Bem, foram dois episódios completamente distintos, que talvez nem tenham graça escritos aqui, a frio, mas que me fizeram rir de modo muito semelhante. No primeiro caso, tive aquela crise de riso em que a voz da gente some. No segundo, quase me engasguei com a salada de alface que comia. Ri de chorar, em ambas as ocasiões: uma ao telefone, outra ali à mesa do almoço (aqui só temos essa, pois não jantamos).

Ando sempre envolvida com gente e suas fases díspares. Um que vive o meio-termo da faculdade, dirige há pouco tempo, vai a festas que avançam madrugada adentro e joga RPG até tarde da noite; outro que passou por poucas e boas na vida, começou, encerrou, duvidou, se encorajou, teve medo, teve angústia, resolveu, mudou. Há coisa de um ano, optou por tentar a felicidade de novo (ah, sempre ela… que sabe se esconder bem). Emagreceu, foi pra academia, foi pro Carnaval (!), pra advogada, pra outro endereço, pra novos relacionamentos. E assim vamos todos… em marcha, em mudança. Não é o Guimarães Rosa que manda dizer que o que a vida quer da gente é coragem? Pois bem. A coragem já tem demanda assim que a gente abre os olhinhos ao amanhecer.

Nessa de participar das vidas de algumas pessoas queridas, passei alguns minutos ao telefone ouvindo o relato de um homem à beira da madurez (sim, existe a palavra; eventualmente, a coisa também), na lida com sua primeira máquina de lavar roupas própria. Ensinei, uns dias antes, para que servem os botões de seleção do tipo de roupa, quantidade de água, intensidade da batida, tempo de molho etc. Minha vida com máquinas desse tipo já conta bem uns vinte e poucos anos. Sou craque e até me divirto. Fui lá dar meu workshop na maior boa. E o aluno, muito aplicado, esteve atento e aprendeu rapidinho. Tanto que, horas depois, já me mandou um vídeo mostrando o equipamento em uso: batendo roupas sob água alta, já com bolhinhas de sabão. Que orgulho! Minha única ressalva foi quanto à quantidade de roupas na mesma vez. Elas mal podiam se mexer, daí que se põe em dúvida o efetivo resultado. Mas vamos lá. A gente tem de ser delicada para falar.

Um tanto depois, meu aprendiz de lavadeiro disse, ao telefone, em tom meio preocupado, que as roupas pretas ficaram com manchas brancas. Meu silêncio era puro pensamento. Por que será? Fiquei atenta ao relato de tudo e, de repente, eis que escutei: “as roupas e as toalhas”. Para tudo! Meu jovem, a gente não costuma lavar roupas junto com toalhas. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Aceite minha sugestão: separe as roupas, inclusive por cores (escuras, claras), por delicadeza (roupa íntima), por peso (toalhas, roupas de cama) etc. Vá organizando os dias e o que vai lavar. Quando você mistura, umas coisas podem manchar as outras, soltar pelo e outros desastres. Deve ter sido algo assim. Vamos lá, coragem. Mas foi aí que reparamos em uma falha tecnológica terrível! A máquina tem um botão redondo, assim, bem na cara da gente, que divide os tipos de roupa daquele jeito que eu mencionei ali: roupas coloridas, roupas de cama e banho, edredons etc. Meu aprendiz me alertou para algo fundamental: “Bem que eu estranhei! Por que não existe um botão escrito ‘roupa híbrida’?” Não é mesmo? Claro! Fica a dica para as maiores fabricantes do mercado tecnológico da lavação de roupa. Como é que ninguém pensou nisso antes? Haja conhecimento e tecnologia doméstica para lavar roupa! Enquanto não vem o novo botão, a gente vai tentando separar do jeito que dá.

Já meu rebento, que ainda não conhece bem o mapa de Belo Horizonte, estudava os contornos da cidade pelo Google Maps, a fim de descobrir se certo bairro era mais longe do que outro do local de uma festa. Olha daqui, olha de lá, mexe, vira, tenta entender as avenidas e suas direções, os pontos cardeais, pergunta de vez em quando, eu cheia de alface na boca, ele usando loucamente o touchscreen do celular, eu engolindo minhas sementinhas de girassol. De repente, ele suspeita de que descobriu alguma coisa: “Olha só, mãe, esse bairro é perto de uma tal Serra do Rôla… Rôla-Moça”. Se eu fosse de cuspir, eu teria cuspido. “É Róla-Moça, Eduardo, é Róla-Moça!”. Mas bem que podia ser outra coisa, né não? E ele rindo da minha gargalhada. Ah, esses aprendizes apaixonantes…

Ana Elisa Ribeiro

Nasceu em Belo Horizonte (MG), em 1975. É autora de livros de poesia, conto e crônica, infantis e juvenis, tendo estreado com um volume de poemas em 1997. Teve colunas fixas em algumas revistas desde 2003 e publicou quatro livros de crônicas reunidas: Chicletes, Lambidinha & outras crônicas (Escribas, 2012), Meus segredos com Capitu (Escribas, 2013, semifinalista Portugal Telecom), Doida pra escrever (Moinhos, 2021) e Nossa língua & outras encrencas (Parábola, 2023). É professora da rede federal de ensino e pesquisadora das mulheres na edição.

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