Que venham

A virada de ano serve de momento para uma janelinha de atualizações, reafirmações de carinho e amizade
Ilustração: Eduardo Mussi
14/01/2025

Escrevo esta crônica no apagar das luzes de 2024. Só que o negócio não é falar sobre fim, mas sobre começo. Há quase meio século tenho a oportunidade desses começos, que são sempre os anos novos, menos e mais animados, menos e mais promissores. Geralmente, ainda bem, eles me surpreendem.

Já vou confessando que tenho zero apreço por esta época dos anos. São três meses que excluo do calendário, parados, estranhos, enfestados de socializações forçadas e atividades fora da rotina. Sim, adoro a rotina, a previsibilidade e a organização, o que não me impede de gostar de incluir itens novos no cardápio de tudo, mas quero escolhê-los… Bobagem achar que são antagônicos.

Fico aqui a observar dezembro e o final de semestre de professora, por si só detestável, em especial depois que as atividades docentes foram invadidas por burocracias que vieram sorrateiramente, via tecnologias, parar no nosso colo; dezembro e o Natal, que é ótimo para o comércio, claro; dezembro e as festas das firmas, que acho que nem preciso comentar, já que a expressão “festa da firma” já é até pejorativa; janeiro e as estradas brasileiras; janeiro e tudo cheio, caro e estranho; fevereiro e o Carnaval. Enfim, para quem não é de… Não há o que fazer, a não ser esperar pacientemente. Escrever sobre isso, desse jeito, inclusive, é uma temeridade.

Mas fico feliz com certas coisas: meia dúzia de encontros com gente com quem já me encontro sempre; um ou dois encontros com gente nova que parece ter chegado para ficar; dois ou três presentes surpreendentes; dormir até tarde, bem tarde, como alguns jovens fazem antes de entrarem para a roda dentada do mundo do trabalho assalariado. E uma das coisas desses fins e começos é exatamente o encontro. Andei pensando que há um grupo de pessoas com quem raramente nos encontramos, mas com as quais queremos nos encontrar, e o final de ano pode ser a chance, por conta dos recessos e feriados. São pessoas que moram longe ou que estão sempre ocupadas ou que não pertencem aos nossos círculos mais rotineiros, mas que são amadas, queridas e admiradas. Seria bom tê-las por perto mais vezes, mas a gente sabe que não vai rolar. O final do ano serve de momento para uma janelinha de atualizações, reafirmações de carinho e amizade.

Num outro grupo, estão as pessoas com as quais a gente está o ano todo, que são nosso esteio, nossa rede real de apoio, que estiveram presentes, de fato, nos dias de sol e nos de chuva, com as quais a gente combina de sair, de conversar, de desabafar, de fazer nada, de ver um filme, de fofocar, de tomar um café, almoçar, jantar. Pessoas que, por vezes, frequentam nossa casa (e nós as delas). Gente que esteve ali quando nosso pai adoeceu, quando rolou uma grande decepção, quando o casamento acabou, quando o livro era ruim, quando o filho adoeceu ou, pelo contrário, quando era hora de comemorar, quando o prêmio veio, a defesa aconteceu, a viagem dos sonhos rolou e a reforma do apê foi quitada. Essas são as pessoas com as quais quero me encontrar no final do ano, porque é com elas mesmas que eu me encontro, sempre. Quando precisei, elas estavam lá. No mais, pode haver outros grupos, mas é preciso pensar no sentido que eles fazem, se fazem.

Neste começo de novo ano, é claro que bate aquela crise de balanço geral. O que valeu, o que surpreendeu, o que é ciclo encerrado ou se encerrando, quem estava e quem não estava, quem chegou agora, quem partiu; o que quero fazer, o que não quero, o que deixei de fazer, mesmo querendo. Para o novo começo, fico pensando nas pessoas que se reafirmaram, nas que falharam miseravelmente comigo (e eu com elas), na família, no trabalho. E esta última talvez seja minha maior preocupação, hoje: O que fazer para que o trabalho ruim, a parte chata, não massacre minha saúde? O que fazer para aproveitar melhor a parte boa? Como parar de trabalhar de graça? Na conta das amizades, penso na quantidade de cafés consumidos e que poderiam ter sido mais.

Três coisas já apontaram no meu horizonte de 2025. Fico aqui, atrás das cortinas do réveillon, que ainda não caíram, observando o que vai ser isso. Uma coisa é fazer uma pequena tatuagem com a ajuda de uma amiga. Deve ter uns vinte anos que penso nisso, talvez se passe mais um, não sei. Desta vez, chamei minha amiga mais tatuada para me rebocar. Talvez dê certo. A segunda coisa é que será o ano dos meus 50. Eu queria estar plena e serelepe quando chegasse a essa respeitável idade. Vou ver se chego lá apenas com as rugas que já tenho na testa. E como, né? A terceira coisa é surpreendente: serei a síndica do prédio, já que a coisa funciona por rodízio. Eu não disse que seriam só coisas boas e animadoras… Tenho doze meses para fazer minhas ponderações. E que venham as (boas) surpresas.

Ana Elisa Ribeiro

Nasceu em Belo Horizonte (MG), em 1975. É autora de livros de poesia, conto e crônica, infantis e juvenis, tendo estreado com um volume de poemas em 1997. Teve colunas fixas em algumas revistas desde 2003 e publicou quatro livros de crônicas reunidas: Chicletes, Lambidinha & outras crônicas (Escribas, 2012), Meus segredos com Capitu (Escribas, 2013, semifinalista Portugal Telecom), Doida pra escrever (Moinhos, 2021) e Nossa língua & outras encrencas (Parábola, 2023). É professora da rede federal de ensino e pesquisadora das mulheres na edição.

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