Material de papelaria

A saudável loucura de acumular canetas, lápis, papéis coloridos, envelopes e outras quinquilharias tão necessárias à vida de uma escritora
Ilustração: Denise Gonçalves
12/11/2024

Quem mais aí é louco por canetas e material de papelaria? Aposto que somos uma imensa comunidade. Desde criança, enlouqueço com caixas de lápis coloridos e com papéis especiais. Na adolescência, descobri uma lojinha perto da escola e comprei alguns papéis diferentes só para ter, jamais usar. Eles estão comigo até hoje, em alguma pasta engavetada. Envelopes coloridos, post its neon, marcadores de texto que ressecam (e agora existem os de gel, uma maravilha), canetas zero cinco e mais.

Outro dia, andando num aeroporto, deparei com um quiosque-papelaria. Nunca tinha visto ali. Tive de ficar atenta para não perder o voo, porque meus reais eu perdi comprando três canetas assombrosas de boas. No contraponto, umas semanas antes, passei dois dias testando canetas velhas (a maioria promocionais) e jogando-as fora. Uma pontada no coração a cada baque no fundo da lixeira. Também comprei canetas na portinhola perto da casa e na loja maior ao lado da entrada do trabalho. Canetas que se espalham pelas bolsas, mas que nunca estão lá quando preciso. Fenômeno estranho e inexplicável? Como posso ser a feliz proprietária de tantas canetas e jamais dispor de uma quando alguém me estende um livro: autografa, por favor? Vergonha minha. Saio pedindo empréstimo, recebendo caneta alheia, sem qualquer capricho.

Para os livros que preciso assinar, geralmente compro uma caneta especial antes do lançamento. Fiz estoque de pretas, azuis, verdes e até umas diferentonas, porque os livros às vezes são de papel escuro (azulão, preto) ou liso demais (cuchê escorregadio). Canetas douradas, prateadas e brancas para assinar bonito em fundo fechado, mas elas nunca estão comigo quando é necessário. Distração? Menosprezo? Lerdeza?

Lápis, deles só aceito de 6B para cima. São os melhores para escrever no planner (e apagar os compromissos furados) e nas páginas de livros alheios, esses que leio porque sou leitora, mas com os quais gosto, afinal, de conversar, interagir. Marco com riscos, sublinho trechos, faço ondinhas, anoto palavras, até ideias para crônicas. Nem sempre sei onde anotei, depois, mas vale o escrito. Esses lápis de grafite mole ou poroso me ajudam a sentir menos culpa, a vincar menos o papel, embora isso não signifique nenhum grande problema. Meus livros são só meus. Ao menos por ora, enquanto não preciso providenciar nova morada para eles.

Não sou boa de borrachas, durex, clipes nem lapiseiras. Há quem tenha verdadeiro fetiche com estas últimas, zero sete, zero nove, zero cinco, caixinhas magrinhas de grafite. Sempre recarreguei as lapiseiras pelo bico, coisa errada, dizia minha mãe, porque corria-se o risco de quebrar a ponta. O certo era abrir a parte traseira do tubo e guardar lá o grafite, que ia saindo conforme a pressão no final do cilindro. Movimento mais gostoso não há. Mas meu fetiche não são as lapiseiras. De todo modo, me lembro da moda de Pentel, uma espécie de grife dos objetos de escola. Só compro Pentel até hoje. Maniei?

Meu caso com os clipes é mais dramático: tenho pena de usá-los e não gosto de devolvê-los. Acabo acumulando-os em potinhos e sofro quando preciso prender algo (papel, dinheiro, envelope) para entregar a alguém. Esse apego se estende a pastas de plástico e envelopes pardos. Aliás, quase nunca uso envelopes novos para enviar materiais — geralmente livros — pelos Correios. Se algum destinatário reparar, reaproveito sacolas e outras embalagens, que servem muito bem ao propósito e ainda me fazem passar por recicladora, o que pega bem. Se não é documento ou o caso de alguma situação muito formal, vou de sacola da Renner, do restaurante da esquina, da Hering ou qualquer loja que me entregue minhas compras embrulhadas em papel. Chego em casa, desfaço a sacola, testo o papel e faço uns retângulos que cabem direitinho um ou dois livros. É assim que descarto sacolas em excesso e não sofro com a abertura violenta de envelopes bem dobrados e caros.

Minha irmã também é craque nisso, nesses reaproveitamentos que, afinal, são uma arte. Certa feita, dei a ela uma blusa comprada em uma loja na sacola de outra. Ocorre que o tamanho não deu certo e eu esqueci de avisar. O episódio dela passando vergonha na loja errada virou piada e nos serve até hoje. A partir dali, no entanto, ela também passou a reaproveitar as boas embalagens em presentes quaisquer, mas sempre lembra de avisar: ó, isso não é Boticário, viu? Se precisar trocar…

Ana Elisa Ribeiro

Nasceu em Belo Horizonte (MG), em 1975. É autora de livros de poesia, conto e crônica, infantis e juvenis, tendo estreado com um volume de poemas em 1997. Teve colunas fixas em algumas revistas desde 2003 e publicou quatro livros de crônicas reunidas: Chicletes, Lambidinha & outras crônicas (Escribas, 2012), Meus segredos com Capitu (Escribas, 2013, semifinalista Portugal Telecom), Doida pra escrever (Moinhos, 2021) e Nossa língua & outras encrencas (Parábola, 2023). É professora da rede federal de ensino e pesquisadora das mulheres na edição.

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