Listas

As listas são uma maneira divertida e irônica de organizar um pouco o caos da vida cotidiana
Ilustração: Miguel Rodrigues
12/06/2023

Ganhei de presente, faz tempo, um livro de fazer listas. A ideia era relaxar e passar o tempo escrevendo listas de filmes preferidos, de músicas marcantes, de comidas favoritas e muitas outras. Uma parte delas, porém, me parecia íntima demais e resolvi saltar certas páginas, evitando expor e registrar listas que pudessem, algum dia, me comprometer. Que listas não fazemos? Que listas preferimos que fiquem escondidas nos recônditos da memória? Que listas podem dar o que falar? Que listas podem nos apavorar, causar raiva, rancor e ciúme? Que listas podem nos deixar arrependidas?

Bem, mesmo assim, as listas povoam nosso ambiente como pouca coisa. São úteis, populares, necessárias. Minha geladeira, por exemplo, é uma espécie de mural de listas. A que está lá exatamente hoje tem escritas as seguintes palavras: manteiga (sem sal), óleo (de girassol), pão de forma (castanhas Vale do Sol, do saco laranja), 3 limões, repolho, ovos. Amanhã essa lista provavelmente será usada e liquidada por alguém, perderá a razão de existir e será substituída por outra, rapidamente, porque tudo aqui falta toda hora, como nas casas de todas as pessoas.

Aqui diante de mim, há listas em post its. Uma de pessoas convidadas para um projeto de escrita; outra de vídeos a gravar; outra de pix de pessoas a quem devo algo; outra de uns vídeos que preciso organizar. Há também uma lista aberta em uma das abas do meu navegador: pessoas que poderiam receber um livro de amostra grátis. As listas de afazeres me ajudam por demais na organização da vida, mas também são gravemente ansiogênicas. Gosto, por outro lado, do prazer que sinto quando risco todos os itens e jogo o papelzinho no lixo. Aliás, para ser exata, amasso bem, com certa superioridade furiosa, sádica, e jogo no lixo com alguma força, para que ela alcance o fundo da lixeira. Humpf.

Todo final de ano, leio uma profusão de listas. Na minha bolha, chegam listas de melhores livros do ano, melhores autores, melhores romances, melhores isto e aquilo. Lista, listão, tudo geralmente previsível, mas razoavelmente empolgante, porque sempre gera debate e discordância. Aliás, uma lista infinita que me causa ansiedade é justamente a de livros a ler. Ela nem chega a ser escrita, mas costumo fazer uma de livros lidos num certo período: 30 ou 40 dias. Às vezes, publico essa lista nas redes sociais, mas nem sempre. É que me dá certa preguiça de que soe assim “vejam como eu leio” ou, pior, “vejam minha listinha de coisas ultramodernas e cultas”. Não. Melhor ficar com minha lista para mim. Também evito, desse modo, aquele comportamento reativo de quem responde às listas com inteligentes e cultíssimas outras leituras, sugerindo o que ninguém perguntou. Deixa para lá. Eu me entendo com minhas leituras.

Tenho aqui uma lista de itens para responder a uma pessoa, mas dependo de outra pessoa que também avance nesta mesma lista. Uma lista de senhas disfarçada também fica à mão para que eu consiga lidar com todos os logins a que somos submetidos na atualidade. Dizem os informatas que usar a mesma senha para tudo é idiotice. Lá vamos nós com as variações, as outras senhas, aquelas cheias de números e caracteres especiais que jamais poderemos decorar. Listas de senhas são úteis e podem evitar tragédias.

Estou com vontade de fazer uma lista de desejos. Exercício puro mesmo, apenas para desabafar. Esses desejos e quereres provavelmente ficarão para nunca mais. Essa seria uma lista permanente, que pode inclusive ser escrita a caneta, em papel indobrável, antilixeira e inapagável. Vale também uma listinha destas palavras que inventei agora, graças às possibilidades lindas da morfologia da nossa língua, e das palavras que eu gostaria de inventar, mas que não me ocorrem exatamente agora.

Minha lista definitiva sobre o que quero fazer sábado que vem só tem um item: dormir até tarde. Mas sei, de antemão e com tristeza, que não vai ser isso. Lista ficcional. Talvez eu também devesse expressar minha lista de pessoas amadas, mas isso certamente causaria espécie. Minha sigilosa lista de inimigos deve ter apenas dois ou três nomes, se muito. Digamos que isso seja exagero: é, no máximo, uma lista de antipatias e desprazeres. Melhor evitar.

O que está no topo da sua primeira lista de hoje? Na minha está aqui, bem diante de mim: marcar dentista pro Dudu. É que listas de mães são cumulativas: a gente resolve os nossos problemas e, principalmente, os dos outros. Listas múltiplas.

Depois que ganhei aquele interessante livro de listas, achei que deveria copiar a ideia e dá-lo de presente a outras pessoas. Dei mesmo. Não sei se serviu para alguma coisa. Nos próximos minutos, vou me dedicar a escrever minha lista de sete desaforos e desacatos preferidos. Vamos lá? Vejam como sou elegante.

1. jacu!
2. panguá!
3. idiota!
4. imbecil! (este eu falo com boca boa)
5. feladazunha! (variação dois níveis abaixo: fiédapulta)
6. animal!
7. tosco! (e costumo completar com “dos infernos”)

Ana Elisa Ribeiro

Nasceu em Belo Horizonte (MG), em 1975. É autora de livros de poesia, conto e crônica, infantis e juvenis, tendo estreado com um volume de poemas em 1997. Teve colunas fixas em algumas revistas desde 2003 e publicou quatro livros de crônicas reunidas: Chicletes, Lambidinha & outras crônicas (Escribas, 2012), Meus segredos com Capitu (Escribas, 2013, semifinalista Portugal Telecom), Doida pra escrever (Moinhos, 2021) e Nossa língua & outras encrencas (Parábola, 2023). É professora da rede federal de ensino e pesquisadora das mulheres na edição.

Rascunho