Deixa entrar

Um curso de crônicas transforma-se em oportunidade para interagir com gente interessada em aprender
Ilustração: Denise Gonçalves
09/04/2024

Toda vez que a gente vai dar um curso, há uma negociação sobre o número de vagas disponíveis. Às vezes, é preciso pensar também em uma fila de espera. Nem sempre isso se confirma e a fila de espera é o bocado de gente que entra. Muita gente se inscreve sem condições de realmente cumprir, em especial se for curso gratuito. Não sei que fenômeno é esse. Quando é pago, mais chances de as pessoas fazerem jus aos tostões investidos. Pode haver evasão, a depender de muitos fatores. Temos visto que cursos on-line são preferência nacional ou isso simplesmente quer dizer que nosso alcance aumenta e o radar capta mais interessados reais. No raio analógico, nem sempre tem gente suficiente buscando o que estamos oferecendo. Na escola pública, que tem por obrigação atender todo mundo, as turmas, como sabemos, costumam ser imensas, muitas vezes disfuncionais para os professores, que passam a armar estratégias de como atender de maneira viável, mas só isso, viável. Para certas atividades, é claramente inviável. Na escola privada, a quantidade de gente em sala depende de outros tantos aspectos, em especial de quanto uma família pode pagar para garantir uma vaga em turmas pequenas. O custo de uma pessoa ou o de três, quatro. Todo mundo sabe que menos é mais, num ambiente onde se pretende aprender. Mas pode ser que consigamos fazer algo bom, a despeito das turmas imensas, dessas em que fica impossível até mesmo saber os nomes dos alunos. Eles não saberem os nossos é coisa bastante comum.

Outro dia me chamaram para dar um curso livre. Topei porque o assunto é justamente a escrita de crônicas. Mais de vinte anos depois, devo saber algo sobre o assunto, em especial porque as pratico amiúde. A despeito da agenda amalucada, aceitei com gosto o desafio de imaginar o que esse curso será e encontrar pessoas dispostas a realizá-lo junto comigo. Era on-line, radar amplo, conseguimos. Prazo de inscrição, formulário, formas de pagamento, datas, gravações (embora a interação é que tenha graça), espalha daqui, monitora dali, responde às dúvidas, prazo encerrado. Na sequência, ajustes e gente pedindo para prorrogar. Não dava. Vagas esgotadas. Eram apenas 20. Porque chegamos a um consenso de que 20 pessoas num curso em que haverá leitura e escrita dá rock. Duas horinhas de aulas por vez, coisa breve, interação, conversa, troca e partilha. Não dava para ser muito mais do que isso. Mas dia vai, dia vem, tem sempre alguém querendo entrar, argumentando, justificando, pedindo bonitinho, comovendo a gente. Como é que não deixa? Como é que não abre? Poxa… mas como é que vou fazer depois, com um mundaréu de gente querendo falar, ler e tal… se eu der sorte? Isso é sorte ou privilégio. Não é problema. Problema é o que a gente vive todo dia mendigando no vasto desinteresse.

Legal mesmo foi a conversa rápida e assertiva com a coordenadora da proposta, uma moça ótima, generosa, que não conheço pessoalmente, mas que me ganhou pelo papo franco e carinhoso por e-mail. Um dia, abri uma mensagem e ela dizia:

— Ana, a pessoa X falou comigo, quer muito entrar no curso de crônicas. Expliquei que já fechamos as inscrições, que as vagas estão preenchidas, mas ela insiste muito. O que você acha?

— Uai, você acha que ela quer mesmo?

— Ah, quer sim. Mas você acha que mais uma pessoa na turma pode inviabilizar?

Pensei. A sorte é que pensar costuma ser rápido. Mas pode não ser. Às vezes a gente precisa de tempo estendido, pensar muito. E nem é pensar linearmente. É que a gente pensa para um lado, depois para outro, repensa, acorda pensando o contrário, volta a pensar o de antes e assim vai, até chegar a alguma conclusão. Mas nesse caso minha experiência rotineira, já larga, me favoreceu e à rapidez na resposta, que foi também acoplada a um argumento:

— Ô, amiga, faz o seguinte: deixa essa pessoa entrar sim.

— Tem certeza, Ana? Não atrapalha seu planejamento?

— Nada! Gente que quer muito, tipo essa pessoa, não dá para deixar para trás. Tô desafortunadamente muito acostumada a dar aulas para um montão de gente desinteressada… Quando aparece gente muito desejosa e interessada, muito a fim, é um pecado fechar a porta.

E assim fomos. Tá lá a turma aumentada, mas que espero que faça a festa com os encontros e os desejos de leitura e escrita. A gente tem é de saber aproveitar. De lá e de cá. E contar com duas coisas: quem já chega interessado e quem a gente consegue surpreender. Sempre tem.

Ana Elisa Ribeiro

Nasceu em Belo Horizonte (MG), em 1975. É autora de livros de poesia, conto e crônica, infantis e juvenis, tendo estreado com um volume de poemas em 1997. Teve colunas fixas em algumas revistas desde 2003 e publicou quatro livros de crônicas reunidas: Chicletes, Lambidinha & outras crônicas (Escribas, 2012), Meus segredos com Capitu (Escribas, 2013, semifinalista Portugal Telecom), Doida pra escrever (Moinhos, 2021) e Nossa língua & outras encrencas (Parábola, 2023). É professora da rede federal de ensino e pesquisadora das mulheres na edição.

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